sábado, 1 de agosto de 2009

Uma pessoa que não conheço.

Por Felipe Grilo

Tive a idéia de me propor um desafio: escrever algo sobre alguém que eu não conheço. Alguém que eu nunca vi pessoalmente, nem tenha sabido nada a respeito na mídia. Alguém que, como se provou ao longo da entrevista, eu precisaria mesmo conhecer. Acho que vocês também.

Atualmente este homem é rico, como todos disseram que um dia ele seria. Trabalha muito e ganha bem, também estuda, dá aulas e escreve livros. Sua profissão: consultor. Casado, religioso e com uma linda família, pelo que me disse. E disse com tanto fervor que deveria ser verdade. De resto, viajou o mundo todo dando palestras ou apenas curtindo outras culturas.

Eu o vi andando no parque, e ele, simpático e com tempo livre, me deu o prazer desta pequena entrevista. Durante nossa conversa o senhor, aparentando 70 anos, me contou que teve amigos desde que se lembra da sua infância. Jogava bola com os vizinhos no quintal e fora dele era pega-pega, esconde-esconde, pula-pula e corrida de bicicleta no parque. Nunca sofreu de solidão. Alguns amigos cresceram tão juntos que ainda estão presentes na lista de contatos. Amigos de infância.

Nunca foi protegido demais pelos pais. Portanto, sentia-se livre para conversar o que sabia, aprontar o que pudesse, inventar o que quisesse, sem sofrer demais com as repressões. Os pais o castigavam apenas quando era algo muito perigoso, como subir na laje. Tinha grandes recordações desse tempo. Nunca teve grandes problemas em entender o mundo que o cercava, as pessoas e todo o resto – nem sensível demais, nem de menos.

Se dava bem no colégio, mas não se preocupava apenas em tirar notas altas. Seus pais não o obrigavam a tanto e nem davam valor excessivo ao estudo. O suficiente para passar de ano estava bom, e o resto da sua atenção dedicava a conversar, se divertir e paquerar. Apesar de beleza não ser uma de suas qualidades, se dava bem com as garotas. "Sabia levar na lábia", me disse.

Ainda no colégio, me contou de todas as coisas que aprontou de todas as vezes que, rindo, foi parar na diretoria. Com ele não tinha vez: era aparecer a oportunidade, pensava rápido em alguma maluquice e zaz, estava feito. Diz com orgulho que nunca hesitou. Viveu de certa forma com ousadia, audácia, sem muitos medos. Levou muito na cabeça, mas aprendeu com os erros e não pela falta deles.

Fez todos os cursos que queria: inglês, espanhol, japonês, desenho, pintura, kung fu, futebol, webdesign, programação, tudo antes de decidir por uma faculdade. Também gostava de ler nos tempos livres, mas nunca demais, a ponto de substituir a vida real. Preferia namorar, jogar bola depois das aulas e sair às sextas, para as baladas. Gostava de dançar e de beber.

Estudou bastante, mas tinha a facilidade de não ser inseguro. Passou de raspão na faculdade que escolheu – e que, aliás, foi escolhida de última hora. Indeciso? Não, era apenas pela emoção de decidir seu futuro naquele instante. Como todo adolescente normal.

Se deu bem com os colegas de turma e com os professores. Além da facilidade em fazer amigos e mobilizá-los, sabia mostrar seu trabalho e impor suas idéias com facilidade. Tinha talento para liderança. Iria ficar rico.

Arranjou empregos com facilidade graças a indicações, mas acima de tudo por ser extrovertido, carismático e interessante – eu mesmo pude apreciar isso, observando a graça com que contava suas histórias. Era seguro, também. E por mais que oportunidades difíceis aparecessem, ele topava sem medo e conseguia superar os desafios.

E foi num desses empregos que conheceu sua atual mulher. Namoraram e a pediu em casamento em pleno expediente, com a torcida dos colegas e com festa para ambos. Mais um dia inesquecível para contar para seus futuros filhos, netos e para este mero e desconhecido curioso que passava por perto. Uma vida inesquecível.

Pena que eu não conheço este homem. Provavelmente nunca vou conhecê-lo, e nem vocês.

Este homem sou eu.