quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Nós.

Por Adriana Hernandes.

Nossa relação nunca foi das mais simples, verdade. O fato de você sempre fazer questão de me mostrar o quanto eu estava errada, e podar meus exageros, sem levar em consideração a minha inexperiência e falta de jeito em lidar com os acontecimentos, me incomodava demais, e ainda me incomoda. Não que eu quisesse ser digna de pena, ou que dissesse "amém" pra todas as minhas vontades, longe disso. Mas ser menos rude na forma de me conter cairia bem. Tapas na cara, por mais que sirvam pra nos acordar, ainda doem.

Também me aborrecia muito com essa sua maldita mania de correr. Perdi a conta de quantas vezes implorei para que você fosse mais devagar, com mais calma. Mas não: Me agarrava pelo braço e partia em disparada; sem perguntar se eu queria, sem se preocupar com os tropeços que levava pelo caminho, e muito menos se eu tinha fôlego para agüentar seu ritmo. Você é rápido demais pra mim, ás vezes parece que não corre, voa!

E quando eu queria voltar, pra consertar os estragos que deixei pelo caminho ou aproveitar outra vez aquele segundo único, você não me dava ouvidos e continuava em frente. O máximo que fazia era deixar eu olhar pra trás.

O curioso é que, mesmo com bons motivos pra querer desatar os laços e arremessar as alianças, nunca tive vontade de partir pra uma separação. Talvez por saber que, no fundo, a culpa por você reagir dessa forma era somente minha.

Mas admito que nem tudo eram trevas e por diversas vezes, a maioria delas, você me mostrou suas qualidades. Por exemplo:

Ninguém acertou com tanta exatidão a dose para o remédio que eu precisava, nem cauterizou tão bem as minhas feridas quanto você, as cicatrizes ficaram imperceptíveis.

Ninguém nunca me passou lições tão valiosas quanto as suas, também. Seus métodos eram rígidos e antiquados, mas eficazes. E mesmo não sendo a aluna mais aplicada, ainda lembro de certas aulas e tento aproveitá-las até hoje.

Por fim, ainda me deu os melhores presentes: Você me trouxe o caderno e a caneta, o aval para escrever a história a minha maneira, e a liberdade de tropeçar nas concordâncias e abusar das interrogações.

E eu ando praticando muito, escrevendo uma página por dia. Mas o que eu queria mesmo, Tempo, era saber quando, finalmente, você irá me trazer a razão.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Estimação.

Por Vinícius Noronha.


Ela não sabia pra qual animalzinho queria dar seu carinho. Tinha o mesmo apego aos bichos que os pais, defensores incansáveis dos direitos dos animais, mas ainda não elegera aquele que a contagiaria nas manhãs, aquele com a qual ela dedicaria horas de seu tempo livre para brincadeiras desnorteantes e felicidade compartilhada gota por gota de suor. Já tentou cachorro, gato, papagaio, hamster, marreco, sapo e até uma lagartixa, e nada. Era bom, era legal, mas não era algo mais. Não era, por assim dizer, afeto de quem se espelha.

Os pais diziam “Não se preocupe, é melhor amar os animais em geral que amar a um só e ignorar os outros, e você tem tanto amor dentro desse seu coraçãozinho que pode distribuir pra todos os bichos do mundo”. Aos cinco anos, isso é reconfortante por cinco minutos. Pelas ocupações da causa ambiental dos pais, a menina muitas vezes ficava sozinha em casa, ela e uma boneca, ela e um pente, ela e a sua sombra.

Um amigo era necessário, um que fosse como nenhum outro que ela nunca tivera. Até que um dia ela estava sentada num canto da sala, pintando qualquer coisa com seu lápis de qualquer cor, e uma barata pousou em seu desenho. A menina olhou. A barata parou. A menina a cutucou levemente com o lápis e a barata deu uma coçada em suas antenas e alguns passos pra trás. Então, a menina começou a fazer um traço em frente à barata, que seguia obediente cada reta, cada curva, cada mudança de direção.

Em cinco anos, nunca riu tanto. Fez então um traço descontínuo pra ver o que acontecia. E o inseto resolveu ir embora, na procura incessante de um ralo para se esconder. A menina observou muito atentamente o gesto desesperado do inseto e foi atrás, criando com a mão uma barreira para a passagem da barata, que parou, subiu em sua mão e ali ficou. A menina trouxe o bichinho para perto do seu rosto, observado cada movimento de suas patinhas e antenas. Esboçou um “oi”, e acreditou ter sido respondida, pois a barata moveu suas antenas de uma forma diferente. Perguntou se ela queria ser sua amiga, e ela começou a andar pelo seu braço, chegando próximo ao cotovelo, já de ponta-cabeça conforme se aproximava dos ombros, e depois voltou.

Um contentamento tomou conta da garotinha solitária. Havia finalmente encontrado um animalzinho que fazia jus aos seus cuidados e devoção. Tinha certeza que aquele bichinho estranho seria a melhor companhia para as manhãs silenciosas, tardes longas e noites misteriosas. Tudo a partir dali ganharia novas cores, sons, sentidos. Teria e daria atenção. Teria amor sincero. Teria vida.

Ela deixou a baratinha num canto da sala junto com o papel de seus rabiscos e foi correndo para seu quarto encontrar algo com a qual poderia fazer uma casinha. Revirou caixas, fundos de armários e espalhou revistinhas por todo o quarto. Encontrou uma velha caixinha onde guardava os sapatinhos de suas bonecas preferidas. Jogou-as todas numa gaveta qualquer e correu toda animada para a sala reencontrar aquela que dali por diante seria sua amiga mais confidente e verdadeira.

No caminho, ouviu um grito apavorante, Reconheceu a voz de sua mãe, mas nunca tinha ouvido um grito assim antes, tanto que ficou amedrontada e diminuiu os passos de sua corrida. A seguir, ouviu alguns barulhos como se fossem palmadas. Nunca tinha levado uma palmada, mas sabia o som, pois quando fazia alguma desordem seu pai dava uma palmada com o chinelo na quina do sofá em tom de ameaça, e ela entendia o que isso significava e não repetia o erro. De repente, os sons cessaram, e ela apressou-se novamente. Entrou na sala, mas não viu a nova amiguinha lá. Nisso seu pai passou por ela com uma pá de lixo na mão, e a menina seguiu. E foi então que, no fim do percurso, ela viu a barata parada no chão, imóvel, de ponta-cabeça com as antenas quebradas. E seu pai a recolhendo com a pá de lixo e saindo de casa para jogar na lixeira da calçada.

E então, ela chorou. Um choro sentido, como nunca antes havia chorado. Não entendia porque seus pais haviam matado o animalzinho que havia escolhido para amar. Não entendia como um amor a uma determinada “coisa” podia ter exceções. Não entendia que o que havia despertado nela de repente não podia mais ser demonstrado a quem a transformou dessa maneira.
Ela não tinha ainda pura consciência disso, mas naquele dia em que se dispôs a compartilhar tudo que tinha de melhor dentro dela com a baratinha que pousou em seu desenho, a garotinha teve suas primeiras grande lições sobre a vida: Que a humanidade é cheia de entrelinhas, exceções, contudos e entretantos. Que o amor é transformador, pois nos faz entrar em contato com partes de nós que, até então, pareciam adormecidas, mas que esse sentimento maravilhoso muitas vezes é incompreendido, ou subestimado, e é infinito enquanto dura. E que definições de igualdade existem para que uns sejam mais iguais que os outros.

domingo, 26 de outubro de 2008

Feitiços

Feitiço para atrair o amor:
Em uma noite de lua cheia, compre um sonho de valsa virgem( tem que ser virgem, senão não funciona). Quando o relógio der meia noite e vinte três, abra o sonho de valsa, passe em sentido horário nas regiões pudendas e grite o nome da pessoa desejada. Se o feitiço não funcionar, não aproveite o sonho de valsa.

Feitiço para conseguir dinheiro.
Em uma noite de lua nova, arrume 150 dólares virgens e ponha-os num pires branco( e virgem). Quando terminar a novela das oito, queime os 150 dólares e guarde as cinzas na carteira. Para encerrar, pegue um sonho de valsa e salpique os pedaços também na carteira.

Feitiço para comprar um carro novo
Num domingo chuvoso, compre trezentos bilhetes de loteria. Jogue os números que lhe vierem à cabeça e espere o resultado. Se os números que você jogou coincidirem com os que saírem, você terá conseguido o dinheiro para comprar o carro. Abrir um sonho de valsa na véspera ajuda a dar sorte.

Feitiço para conseguir um ingresso para o show do João Gilberto
Alguém realmente quer isso?

Feitiço para saúde
Numa noite de lua minguante, arrume dois quilos de sal, fio de ovos,sementes de abricó, salitre, metanol e um sonho de valsa. Misture tudo e tome um gole a cada cinco minutos. Você nunca mais irá se preocupar com sua saúde, pode ter certeza.

sábado, 25 de outubro de 2008

Lentidão.


Por Felipe Grilo.
Agradecimentos ao Dion e ao Kim (clique para ampliar).

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Por uma vida mais zen (noção)

Hoje eu trabalhei vestida com camiseta, calça de malha e tênis (e perfume italiano, que ninguém é de ferro).
Hoje eu comi frutos do mar, salada, goiabas, manga, mamão, granola e bala de algas (não ao mesmo tempo, é claro).
Hoje eu usei meu escapulário da sorte e duas pulseirinhas contra mau olhado e inveja (comprei as pulseiras há dois dias e o pingente de pimenta de uma delas furou a minha mão; é ou não é um sinal?)
Hoje eu fiz uma ótima ação e beneficiei alguém que merece (isso realmente foi legal).
Hoje eu tentei não lançar meu olhar de desprezo número 1 (mas é provável que tenha lançado o 5 ou o 8).
Hoje eu visitei uma loja de roupas feitas com algodão orgânico e natural e pensei em comprar coisas para o enxoval da Duda (só pensei, pois não tinha dinheiro; vocês sabiam que o algodão orgânico é marrom claro?).
Hoje eu fui a uma sessão de acupuntura (demorei uma hora e meia para chegar lá e elevei os meus níveis de cortisol aos píncaros, foi difícil relaxar).
Hoje eu marquei uma sessão de tarô (ganhei de presente de uma assessoria de imprensa, mal tenho tempo e grana para ir à manicure ultimamente).
Hoje me esforcei para não rir da cara de uma pessoa (mulher, óbvio) que me perguntou se está gorda (sim, está, mas eu não confirmei nada, estava com a boca cheia de goiabinhas - não as goiabas citadas acima, mas aquelas de pacotinho, cheias de gordura trans).
Hoje só gritei "Vai se ferrar, idiota cuzão!" e buzinei para a lesma da frente uma vez, no trânsito.
Hoje me controlei e não enfiei o meu carro na traseira do vizinho, que demorou um século para abrir a porra do portão e mais um século e meio para manobrar a merda do carro, enquanto a minha bexiga de grávida quase estourava de tão cheia.
Hoje só passei 3h45min no trânsito, ou seja, é quase inacreditável que não tenha matado ninguém até agora.
Hoje pretendo tomar um chá de erva cidreira e ouvir Madana, Mohana, Murari e relaxar antes de dormir (mas é provável que meu marido peça o divórcio ao chegar em casa e presenciar tal fato; mais provável ainda é que já esteja babando no travesseiro, no sétimo sono, antes de conseguir baixar a música na Internet).

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Bloqueio, não!

Por Adriana Hernandes.

Não sei se vocês já perceberam, mas o mundo entrou na era do bloqueio.
É bloqueio de celular, de cartão de crédito, de conta bancária, de contatos do Msn, de recados/fotos/vídeos do Orkut... Tem bloqueio de todos os tamanhos, formas, cores e sabores; pode escolher, fica a gosto do freguês.

Pra ser sincera, nenhum desses bloqueios me afeta diretamente, ou me deixa tão mal quanto um em especial, que costuma me assombrar de vez em quando: O bloqueio mental.

Não ligou o nome a pessoa? Eu explico: Bloqueio mental, é aquele bloqueio que te faz ficar parado(a), estagnado(a), apopléctico(a), em frente a página do Word sem idéia alguma para escrever nada... Nadinha... Necas de pitibiriba.
Você pode ouvir a música mais romântica, viver a paixão mais tórrida, ler Shakespeare ou se entupir de chocolate, nada vai te inspirar.
E isso é simplesmente horrível, já que esse bloqueio faz você apelar para subterfúgios nada nobres: Como escrever palavras difíceis pra enfeitar o possível texto e praticar a tão velha e conhecida arte de encher lingüiça.

Então, nobre colega que, agora, não consegue escrever aquela carta de amor, aquele relatório urgente ou aquela redação sobre desenvolvimento sustentável, te convido a participar da campanha "Bloqueio, não!".
Vista essa camisa, prenda esse botton no peito e grite aos quatro ventos "Bloqueio, não!".

Agora, se você é sensato o bastante para não pagar esse mico, aqui vão umas dicas: Relaxe, conforme-se, aceite sua condição de ser humano errante, perceba que você nunca estará sozinho nesse momento de agonia e tente novamente, mais tarde.

Assim como celulares, sistemas de bancos, programas de computador e páginas de internet; o ser humano também está suscetível a bloqueios e falhas. Todos nós temos dias de "fora de sistema", "fora da área de cobertura" ou "esse programa não está respondendo".
Está certo que nós não podemos nos formatar, nos levar pra assistência técnica, trocar o chip nem usar um Ctrl+Alt+Del nas situações complicadas. Mas não fique triste, isso é bom, é o que nos diferencia da semgracisse das máquinas e dá um gostinho especial na vida... Gostinho salgado, mas especial.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Confessionário.

Por Vinícius Noronha.


- Pode começar.
- Nem sei por onde...
- Comece pelo último, ou pelo primeiro. É sempre uma boa escolha.
- Tá. Tá bom. Vejamos... Eu tinha 8 anos e corria desesperadamente atrás de um garoto que havia caçoado dos meus sapatos. A gente cruzou o pátio todo, entramos em várias salas ainda em aula, foi a maior baderna. Quando finalmente o alcancei, eu o segurei pela gola e gritei algo que nem me lembro mais. Ele então olhou nos meus olhos, já imersos, e me pediu perdão. Ele me pediu perdão.
- E você?
- E eu estava completamente cego de raiva que só vi a boca dele se movendo, sem dar a mínima atenção às palavras. Fechei a mão e dei os socos mais duros e rancorosos da minha vida. Até que alguém viesse me impedir, eu já tinha transformado a cara do garoto em uma bola de sangue. Uma semana depois, chegou a notícia de que ele havia mudado de escola. Depois soube que não era apenas de escola, mas de cidade também. E por mais que me dissessem o contrário sempre acreditei que foi por algo provocado naquele incidente.
- Esta resposta você nunca terá. Você só tem a sua escolha.
- Eu errei. Eu guardei mágoa e errei.
- Há coisas que aprendemos na vida, mas nunca nos damos conta. Este é o momento perfeito pra você perceber isso. Mas antes, me conte mais uma.
- Isso não é fácil.
- Viver só seria fácil se a gente não soubesse que é apenas um tempo extra que temos antes de algo chamado morte.
- Ahn..
- Anda, conta mais uma.
- Eu tinha 25 anos, tinha um emprego razoável e um namoro estável, que todos acreditavam que daria em casamento. No entanto, qualquer vestígio de responsabilidade já me deixava de joelhos trêmulos.
- É. Você nunca reagiu bem às pressões. Engraçado, já que se pressionava tanto.
- Num dado momento, minha então namorada começou a falar de um sonho que teve, onde estávamos com nossos filhos já crescidos, em uma casa de veraneio, netos no colo, e de repente essa casa desmoronava e ela desesperada e soterrada nos destroços gritava meu nome. Ela salientou que não gritava o nome dos filhos, dos netos, nem de nenhuma outra pessoa que não fosse o meu.
- Claro, eles nem existiam, portanto não tinham nomes.
- Mas ela sempre citava os nomes que gostaria de dar aos filhos. Num tom sarcástico, meio que pra me irritar, mas sabia que eram suas futuras e verdadeiras escolhas.
- Ah sim. Enfim, continue.
- E então ela começou a chorar, e a dizer milhares de coisas... Disse que me amaria por toda a eternidade, que não passaria um dia sequer longe de mim, que vislumbrava um futuro perfeito ao meu lado. Isso em tese deveria me fazer sentir o homem mais feliz do mundo. Mas foi exatamente o contrário. Me senti indefeso, pequeno e amarrado diante de um destino imutável. Por três meses foi assim, até que decidi tomar as rédeas da minha vida novamente. Terminei esse relacionamento com a convicção de que tinha reconquistado o direito de escolher o melhor caminho pra minha vida.
- Sei. Se fosse assim você não precisaria estar aqui nesse momento.
- Sim.
- O pior é a sensação de que tornei alguém que amava infeliz.
- Você não tem o direito de lamentar assim por suas escolhas equivocadas. Você seguiu algo que estava vivo dentro de você, num sufoco que te mataria caso você prendesse mais um pouco.
- Eu não soube direcionar minha vida direito... Eu errei quando escolhi o emprego que em pagou melhor, porém me manteve distante das pessoas que eu mais amava. E eu fugi de casa tantas vezes em desespero só pra agoniar meus pais pra que eles me notassem, me amassem um pouco mais. E eu queria tanto aquele cargo na gestão... E dei nomes, fiz conchavos, fui um mau-caráter. Eu nunca disse um “eu te amo” que fosse verdadeiro em toda a minha vida. Meu compromisso era com o que a vida podia me oferecer de imediato, na borda do prato.
- Sabe qual foi seu pior erro?
- Dentre tantos. Não.
- Você não se conhecia. Você é um estranho para si.
- Que coisa estúpida, eu sou isso que você está vendo, essa infelicidade em forma de gente.
- Não, eu não estou vendo isso. Estou vendo alguém que foi vencedor e perdedor na vida. Alguém que é Deus e Demônio, o covarde e o herói, o mendigo do banco de praça e o senhor que dita as regras do jogo. Estou vendo um santo e um pecador. Um ordinário mesquinho incapaz de amar, e o amor personificado.
- Não é nada disso, eu...
- Quantas vidas você acha que são diferentes da sua? Você acha que na Terra só existem acertadores? Homens de sensibilidade suprema? Acha realmente que todos as gargalhadas e lágrimas que você assiste de camarote são sinceras? Quem você acha que pode questionar suas razões? Somos todos movidos por carência e medo, vaidade e destreza, compaixão e egoísmo. A busca da felicidade é vazia, porque ninguém percebe que o que na realidade existe na vida não é felicidade, e sim momentos felizes. Um dia você, eu, e todo mundo vamos perceber isso, e vamos pagar de bom grado o preço que vier por seguir o que sentimos.
O diálogo acabou por aí. Foi interrompido por um choro que foi engolido por tantos anos, em tantas situações, que fica impossível mensurar o grau de alívio que ele proporcionou. Depois disso, ele pode perceber que a paz mora nas coisas que explodem no vento, que transparecem na escuridão, e que gritam em sintonia no vácuo eterno.

domingo, 19 de outubro de 2008

Amor nos tempos de orkut

Não é segredo pra ninguém que o site de relacionamentos Orkut tornou-se um dos maiores pilares da mídia moderna, alterando até radicalmente, podemos dizer, a vida de todos os usuários que adentram esse mundo paralelo. Para alguns não passa de um mero entretenimento, mas para alguns é quase tão comum usar o orkut quanto comer ou fazer necessidades fisiológicas(para alguns o orkut é mesmo uma grande m....).
Mas um fenômeno desses não poderia passar impune no que tange às nossas vidas. Com uma coisa que pode mudar até maneirismos mais costumeiros, era óbvio que também alteraria algumas nuances de rotina. Uma das mais clássicas é no que diz respeito aos aniversários. Chega daquela boa e velha ligação pro amigo de infância, conhecido, primo,cunhado...nada amigo! Um bom e velho scrap resolve, e ai de quem reclamar( “E meu aniversário hein? Pó mandei um scrap no dia seguinte!”), ou seja, nem com o Orkut avisando, ainda tem gente que tem a cara de pau de esquecer!
Porém o motivo desse post, como vocês podem ter notado, é abordar o fato de como o Orkut pode influenciar de maneira tanto positiva, quanto negativa, nossos relacionamentos interpessoais mais íntimos.
De maneira negativa podemos colocar em pauta a crueldade que é você se esforçar para encontrar alguém por lá, que você não via faz tempo, e que tinha uma fagulha de esperança de pegar a cauda do cometa, quando pra sua surpresa está no status de relacionamento: NAMORANDO. É uma delícia, algo estupendo, eu compararia isso a comer creme de milho com asfalto(e eu odeio creme de milho!!).
Porém nem tudo é joio nesse mundinho virtual. O Orkut também veio pra ajudar em muita coisa, e uma das principais é o fato de você conseguir encontrar pessoas da balada, do barzinho, do cinema apenas sabendo o nome e o sobrenome. Fica fácil manter contato, e é pra isso que tiro o chapéu para o orkut. Se isso existisse a alguns anos atrás, com certeza muitas da minhas identidades que usei na balada teriam caído por terra. (ainda deve ter gente que acha que eu jogo no XV de Jaú). E já que coloquei na roda, vou citar pra vocês alguns de meus alter-egos, que costumava usar antes do advento do Orkut, acompanhado da estatística de quantas vezes deu certo.

“ Muito Prazer, Júnior Alexandre, meia-direita do Mogi Mirim!”( duas vezes)

“Carlos Antônio, Chef de cozinha e amante das artes plásticas”( uma vez, e quase fui agarrado por outros seres do mesmo sexo umas quatro!)

“Kaiodê, estudante de intercâmbio de Ziganda!”( uma vez)

“Claudinho Matarazzo, excêntrico milionário. Procuro amigos pra me ajudar a gastar minha herança sem qualquer parcimônia!”( Ok, esse nunca deu certo porquê nunca me deixaram entrar na balada de cartola, monóculo de prata e montado num avestruz. Se conseguisse seria batata!)

“ Daniel Bereco ao seu dispor!”( sem estatísticas pra esse ok?)

Enfim, bons tempos aqueles, que não voltam mais. Porém é melhor assim, as máscaras duram um pouco menos, mesmo que as surpresas possam ser desagradáveis, como achar aquela pessoa que você conheceu na balada e ao fuçar nas comunidades dela descobre que participa da comunidade “ Sim, eu tenho herpes bucal!”...Mas acontece...

sábado, 18 de outubro de 2008

Não analisem o autor.

Por Felipe Grilo.

Hoje eu não vou escrever nenhum conto, crônica, poesia ou charge irônica ou engraçadinha. Assim como o Daniel na semana passada, vou falar como eu mesmo, Felipe (comumente chamado de Grilo pelos amigos), mas por um acontecimento que fez desencadear o motivo deste texto.

Mostrei meu texto aqui em casa e meu pai me achou meio deprimido. Bobagem. Mas assim como ele, talvez algumas pessoas tenham pensado a mesma coisa. Por isso, gostaria de fazer um pedido a todos vocês, que lêem meus textos Coisetal: nunca, jamais, tentem encontrar resquícios da minha personalidade ou da minha vida por meio deles.

Não sei qual é a posição dos meus colegas aqui nos posts. Muitos, talvez, escrevam sobre o que realmente sentem, ou já sentiram, e são completamente honestos em tudo o que dizem. Eu já gosto de brincar com o raciocínio, com aquilo que pouca gente nota, e tal. Escrevi o "mau humor" porque, sim, estava de saco na lua, e aproveitei meu estado de espírito para mostrar que é possível fazer um texto bem-humorado sobre o mau humor.

Explicado o motivo controverso, queria dizer só mais uma coisinha. Aprendi com um amigo a não gostar muito que analisem minha vida nos textos. Porque tem aquele tipo de leitor que gosta de sentir a alma do artista, e daí parte para análises que beiram à psicologia "informal". E quando vem conversar com a gente, perguntam se está tudo bem, se eu estava falando de uma pessoa indiretamente (neste presente texto, não estou falando de ninguém em especial), se estou apaixonado. E então vão piorando o diagnóstico, afirmando que tenho traumas, que sou assim por causa disto ou daquilo, e que não sei lidar com este ou aquele assunto. Coisas do tipo. Daí eu tenho que explicar que não é nada disso: acho que textos autobiográficos são fáceis demais, e podem ficar muito comuns se não forem feitos por pessoas interessantes. Quem me conhece pessoalmente sabe que não é o caso.

Acredito que eu não sou o único a ter textos confundidos com páginas de diários. Meu estilo é mais racional e inorgânico, mas vejo muita confusão por aí quando se disserta sobre amor ou solidão. Deve existir uma cultura geral de "leitores-não-escritores", vinda do hábito das pessoas escreverem raramente e somente para desabafar, ou para chorar, ou apenas porque veio a inspiração e, em todos estes casos, nunca mostrarem a ninguém. Além de não tornarem o ato da escrita algo natural, quando o fazem, ficam com vergonha de publicar por acharem muito pessoal. Ao mostrarem, parece uma revelação: "oh, fulano SÓ está mostrando porque quis DIZER ALGO".

Além de tudo, pelo ponto de vista deste que vos escreve, é meio chato saber que alguns estão mais preocupados em conhecer os emaranhados infindáveis da alma do que apreciar toda a preocupação estética, a escolha do tema e das figuras, dos argumentos, das associações, das palavras e das idéias que você fez - tudo pensando no entendimento do receptor - enquanto se dedicava ao texto. Chato mesmo é saber que, ao mesmo tempo em que insistem na sua descoberta holística e se esquecem da obra, procurando um contato tão próximo com o autor pelas entrelinhas estreitas, não conseguem fazer o mesmo olhando nos olhos.

Para elas, gostaria de dizer que meu nome é Felipe (não sou o Renato Russo), sou tímido e introspectivo até o tutano, de saúde física frágil, estudioso e esforçado, nem alegre nem triste demais, com seus problemas e suas habilidades, um bom amigo apesar de distante, solteiro, cético espiritualizado e com suas teorias a respeito do relacionamento humano. Entre elas, a de que sociedade anda leviana com os sentimentos. Insensível, o ser humano se isenta do ser humano. E acha que meras palavras, viajantes de reinos distantes, podem substituir o carinho de um bom abraço.

Sintam-se abraçados.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Homens Frodo

Sim, eu sei que O Senhor dos Anéis não é um filme atual. Entretanto, sei também que muita gente viu a trilogia e que, portanto, um grande número de pessoas conhece a história e vai entender a comparação que vou fazer a seguir. Eu achei o primeiro filme bem interessante; o segundo, razoável, e o terceiro, nem consegui chegar ao final. Juro que enfiaria pipoca com pimenta nos meus próprios olhos se tivesse que encarar mais uma batalha de Orcs grunhindo contra aqueles cabeludos ensebadinhos do bem. Ok, eu ouvi dizer que a mensagem de O Senhor dos Anéis é edificante, que a honestidade e os bons princípios sempre triunfam sobre o mal e blablablá, mas não há alma nem glúteos que suportem quase seis horas de filme para chegar à essas brilhantes conclusões. Porém, graças à minha mente um tanto suja e debochada, consegui enxergar ali algumas pitorescas alusões aos relacionamentos amorosos. Bem, como não vi (nem quero ver) o final do filme, e, portanto, não sei qual final foi reservado ao Frodo (tomara que tenha, no mínimo, prendido as orelhas numa porta), talvez cometa aqui um erro de informação – me corrijam se estiver errada – e desconheça o fato de que, sei lá, Frodo teve uma grande virada na trama, virou traveca, descobriu que era filho da Liv Tyler ou qualquer coisa parecida. Pelo que pude perceber, no entanto, esse hobbit mala passou boa parte do filme com cara de palerma, segurando firmemente aquela porcaria de anel na mão (seria uma referência à famosa expressão brasileira, “com o c* na mão”???), enquanto o povo se matava para salvar o planeta.
Enfim, usei o Frouxo como uma das fontes de inspiração para o Manual da Ex / Manual da Atual na parte em que escrevo sobre como alguns homens se omitem quando vêem a ex e a atual namorada ou mulher se engalfinhando por causa dele. Como muita gente se divertiu com essa comparação – e eu, como já escrevi nesse blog, adoro uma listinha – resolvi listar mais algumas características dos Frodos. Cuidado, pode ter um bem perto de você. Veja:
* Frodos dizem “o problema não é com você, sou eu” na hora de dar um pé na bunda.
* Frodos afirmam que são traumatizados por causa de relacionamentos passados e que não estão “preparados” para assumir uma nova relação. Ah, mas na hora do “vamos ver” bem que eles estão preparados, não é?
* Frodos têm medo de mulher inteligente.
* Frodos têm medo de mulher bem-sucedida ou que ganham mais que eles.
* Alguns Frodos têm medo de mulher de uma maneira geral.
* Frodos choram e lamentam as misérias da vida, mas se irritam quando uma mulher quer desabafar no colo deles.
* Frodos argumentam que flores morrem logo ou são enfeite de velório para não presentearem as mulheres com buquês.
* Frodos são fofoqueiros.
* Frodos disputam a mesa da praça de alimentação do shopping com mulheres grávidas que avistaram o lugar primeiro. Isso aconteceu comigo na semana passada. Quem me conhece sabe que, é óbvio, eu botei o Frodo para correr e levei a melhor.
* Frodos não tiram o crachá da firma do pescoço quando vão almoçar no shopping. Sim, é o mesmo Frodo citado anteriormente.
* Frodos nunca enxergam as armações de ex barangas do tipo Sméagol – pior, as defendem se as atuais tentam convencê-los a enxergar a realidade.
* Frodos não vêem maldade em nada.
* Frodos reclamam de peculariedades femininas, como TPM, novelas, calcinhas penduradas no box, filmes românticos, esmaltes, maquiagem, etc. Ah, pelo amor de Deus! Vão se engraçar com o hobbit Pippin, que, aliás, tem um nome prá lá de sugestivo.
Como lidar com um Frodo? Berrar “seja macho” com um megafone às seis da manhã talvez o faça acordar para a vida, mas o melhor mesmo é se afastar de gente assim. Compre um poodle ou um PlayStation, vá praticar Yoga, lave a louça ou invista em uma faxina na casa. Qualquer coisa pode ser mais divertida, útil e gratificante.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Cadeira de Balanço.

Por Adriana Hernandes.

Dorme, pode dormir. Que nas próximas horas você seja apenas seus olhos fechados, pijama e cobertas. Braços soltos e pernas dobradas ao modo mais confortável que encontrar.

Dorme. Que nos sonhos que te acompanham você possa conquistar o que quiser: Pisar na lua, marcar um golaço, matar dragões, salvar o mundo ou simplesmente dirigir o batmóvel. E que a decepção não te enfraqueça assim que essa realidade derreter com o clarear de um outro dia.

Dorme. E aproveite ao máximo cada segundo desse sono terno, involuntário e que a vida, sem titubear, faz questão de tornar finito. Porque logo, logo, você perceberá que melhor que o sono dos justos, só mesmo o sono dos inocentes.

Dorme. Não tenha medo nem se assuste com os pesadelos e delírios que ousarem invadir a tua tenda. Eu lhe trago uma canção de ninar, a cura para todo o mal e a convicção de que minha missão na Terra é única e exclusivamente enxugar o suor do teu rosto e fazer baixar a tua febre.

Dorme, pode dormir. E assim que todo esse faz-de-conta acabar, e você der de cara com teto e paredes, tombe a cabeça para o lado e enxergue a sua maior fã, em silenciosa adoração, sempre alerta e a postos. Pronta para seguir suas ordens, acatar todas as suas vontades e te entregar o mais doce, quente e saboroso copo de leite.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

TODO MUNDO TEM uma história bizarra envolvendo peixes


Por Cristiane Senn


Lembro que um amigo me contou que no inverno colocou o peixe esquentar na panela com a água do aquário, e de repente ele foi nadando mais lentamente e ficando TRANSPARENTE, de forma que podia enxergar todos os seus órgãos.

No meu caso, acredito que aquelas coceiras no pé à noite são espíritos de peixinhos beta tentando puxá-lo pra me apavorar. Ingênua que era, coloquei 3 deles no mesmo micro-aquário. Uma amarelo, um azul e um vermelho. Este último foi o primeiro a morrer misteriosamente no intervalo de uma saída minha de 15 minutos à panificadora. Além de não haver sinal de briga algum, ele estava no fundo do aquário com a boca "fincada" no meio das pedras e a barriga enconstada na parede de vidro, totalmente na vertical.
O segundo a morrer, o laranja, começou com um espinho branco saindo de sua cauda, depois apareceu mais um e outro, e de repente ele estava completamente coberto de espinhos, nadando como um louco perto da borda tentando pular pela frestinha de ar da tampa. Até que saíram espinhos nos olhos e ele pifou quase mecanicamente. tudo isso durou cerca de meia hora. Fiquei olhando.
O azul morreu horas depois, infectado pela mesma coisa (?), mas diferente do outro ele nadava numa boa, de Rider, como se nada estivesse acontecendo. De dó de seu sofrimento, meus pais resolveram sacrificá-lo tirando-o da água com uma colher (isso, das de sopa, bem cheia) e jogando-o no lixo da cozinha. Fiquei olhando.

Cerca de um ano depois ganhei outro peixe numa pescaria de festa junina, mas simplesmente eu ESQUECI QUE PEIXES COMEM e não comprei nenhum alimento, obviamente ele morreu em pouco tempo.

Enfim, todo mundo tem o que uma história bizarra envolvendo peixes, nem que seja sobre uma lata de sardinha. Conte a sua.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Passeios.

Por Vinícius Noronha.


Assim que cruzávamos a esquina, eu tentava ir o mais rápido possível. Tenho certeza que, se pudesse, você se jogaria do carro como um protesto à violação da sua regra, mas devido as circunstâncias, o máximo de atitude perceptível acabava sendo um olhar repleto de lâminas.

Eu não temia, mas sentia. Engraçado é que continuava acelerando, sem hesitar, em semáforos amarelos e placas de "dê a preferência". O rádio tocava uma música que ambos odiávamos, mas deixávamos, afinal pelo menos a apreensão ganhava alvo, artilharia e desculpas. Qual era a desculpa mesmo? A jornada não permitia explicação, e preferimos esvaziar as pressões com o alívio imediato do silêncio.

Permanecemos em companhia desse silêncio, respeitando a barreira invisível que colocávamos entre nossos interesses, entre nossas gerações. O que eu não compreendia era que...

- Vai mais devagar, pra quê tanta pressa?

Ops, a fortaleza ruiu. Tudo passava a configurar um jogo de orgulho e de imposição a uma situação que, naquele instante, transcendia a vida. Porque era sempre assim: eu tinha, por ordens, por afeição, ou pela putaqueopariu, que ir mais devagar. Entre as escolhas equivocadas e a procura indiferente de uma urgência, a lição me era imposta como um versículo bíblico. Me acostumei com a vagareza, e bloqueei dentro de mim tudo o que era velocidade. Tudo pra que os pratos se mantivessem sobre a mesa, a roupa no cabide, e a paz no nosso mundinho.

Era sempre assim. Era sempre. Mas por algum mecanismo que nunca decifrei, eu acendia a inquietude de velocidade no meio da nossa inanição. Convertia a obediência à necessidade do grito de alerta, mas principalmente à mesma força que me fazia, de algum modo, não atrapalhar a tua (nossa?) estabilidade.

No carro, na rota, na sina profética de todo bom-dia, eu percebi que éramos quase felizes. Eu podia acelerar em algum momento do percurso, você tolerava até algum ponto em que notava, de sopetão, que se continuasse sem voz, muitas coisas poderiam não ser mais as mesmas. E me fazia diminuir o ritmo. No silêncio, essa batalha contra e a favor do tempo ditava a nossa harmonia, exigia a nossa reconciliação. Controlávamos nossos impulsos e, por fim, comíamos em porcelanas fartas, dormíamos na cama mais confortável, e rezávamos para que, no dia seguinte, pudéssemos ter forças para não dizer para o outro aquilo que, a cada passeio, criava lágrimas em nossas gargantas.

E, ao estacionar o carro, eu chegava à conclusão de que devia chamar tudo isso de amor.

Mudaram as estações e nada mudou. (parte 2)

Por Sergio Faria.


Enquanto seguia ao seu lado trocando a maior idéia, olhava pras pessoas e ficava admirado de ninguém reconhecê-lo. Lembrei dos meus amigos: "Ah se me vissem agora!". Tenso o tempo todo, consegui representar pra ele uma calma que não existia. Assim ele foi se soltando e ficando mais simpático."Vocês ensaiam na Ilha do Governador, né?” Joguei essa sabendo que a banda ensaiava no mesmo bairro que Renato morava. E como ele deu a mão eu quis o resto! "Então? Como é que eu faço pra assistir um ensaio de vocês?" Ele veio com essa: "Ah não! É complicado! Eu tenho vergonha!". Achei graça "Ah! Pára! Que isso?!". Lembrei de um amigo do baterista da minha banda que era roadie da Legião e tinha prometido nos levar pra assistí-los. Resolvi simplicar e apelei: "Pô, pensei que era tranquilo porque um amigo meu, roadie de vocês ficou de descolar um ensaio pra gente ver...!" Aí ele me quebrou: "Qual o nome dele?" Como eu não sabia o nome da figura tive que explicar que na verdade o tal roadie era amigo do meu batera, blá, blá, blá. Acho que ele não acreditou e achou que eu estava jogando verde pra colher maduro. Depois de alguns quarteirões grudado nele, lembrei do encontro com a garota. Olhei no relógio e vi que me atrasaria muito se continuasse ali pentelhando o cara. Ele entrou numa banca de jornal e foi ali que, muito a contragosto, resolvi me despedir. "Foi um prazer ti conhecer pessoalmente. Sucesso!" Foram minhas últimas palavras ao apertar mais uma vez aquela mão que um dia escreveria Metal Contra As Nuvens, Só Por Hoje e Antes das Seis. Sai dali extasiado mas logo em seguida brochei: fiquei chateado por achar que poderia ter conseguido mais. Será que eu teria balançado o cara se ao invés de dizer de forma educada e simpática "sou fã da banda" eu dissesse eufórico e emocionado "sou seu fã desde sempre e você representa pra mim o que o Bob Dylan representa pra você" (ele era fanático por Bob Dylan). Será que seu eu estivesse todo largado, usando meu jeans surrado com aquele par de tênis adidas branco, velho e sujo mais a minha camiseta preta do Joy Division, não teria cativado o ex-punk? Mil coisas passaram pela minha cabeça nos dias que sucederam aquele encontro e até hoje me pergunto se tudo seria diferente se eu tivesse falado as coisas certas. É tão difícil acertar nessas circunstâncias. E ao descobrir que aquela revista Bizz que eu tinha acabado de comprar continha uma foto de página inteira dele com uma camisa branca, me arrependi de não ter pedido seu autográfo. O espaço na camisa era perfeito. Fazer o quê? Paciência. Alguns meses depois saiu o quarto disco (o primeiro em CD) que pela serenidade, clima religioso e letras sobre solidão, amizade e família me tocaram fundo. Logo em seguida, antes do final daquele ano, Renato sai do armário numa entrevista à mesma revista Bizz. Lembro como se fosse ontem: eu voltando pra casa dentro do ônibus surpreso e perplexo ao ler o trecho onde ele assumia sua condição de homossexual. Reli várias vezes pra ter certeza de que aquilo era mesmo a revelação. Minha admiração e meu respeito por ele não mudaram em nada. Fiz uma retrospectiva da sua obra e detectei em Soldados (tenho medo de lhe dizer o que eu quero tanto) e em Daniel Na cova Dos Leões (teu corpo é meu espelho e em ti navego) citações que remetem ao universo gay. Ao contrário do espalhafatoso Cazuza, outro monstro sagrado pra mim, Renato foi discreto e escondeu de todos sua opção sexual até quando quis. Tive a oportunidade e o privilégio de ver o lançamento do Quatro Estações nos shows que aconteceram em São Paulo, no Parque Antártica em 90 (que anos atrás viraram cd ). Fui nos dois dias mas fiquei com o gostinho de quero mais. No primeiro dia fiquei nas arquibancadas e não deu pra curtir tanto o show. Entretanto me emocionei com a queima de fogos no final dele ao som de Rapsody in Blue de George Gershwin. No segundo dia cheguei mais cedo e fui pra pista. Posicionado a alguns metros do palco pude constatar bem de perto a loucura que era assistir a Legião Urbana ao vivo. A energia da banda, a performance do Renato, a emoção do público. Até situações engraçadas como uma cena do Renato dando esporro no Fred Nascimento (músico de apoio na época e que hoje acompanha o Capital Inicial) que insistia em querer acompanhá-lo ao violão numa música improvisada pelo cantor à capela ficaram na minha memória. Renato falava: "Eu não tenho vergonha do que eu faço no banheiro nem na minha vida sexual!" ou "Não consigo cantar que o Brasil é o país do futuro com tudo que tá acontecendo nesse país!". Isso inflamava a galera. Prta mim tudo era perfeito, tudo era bonito, tudo era poesia. Este foi com certeza o show da minha vida. Eu já poderia morrer! Alguns anos depois, quando saiu o quinto trabalho do grupo, fui morar sozinho. Me apaixonei por uma garota que trabalhava comigo mas a moça não me quis. O disco, intitulado V, embalou minha solidão e Vento no Litoral era o tema daquela paixão não correspondida. Foi foda. Durante todos aqueles anos Renato foi também uma grande influência como cantor. Eu que gostava de cantar desde meus 4 anos passei a imitá-lo desde seus primeiros discos. Colocava um disco pra rolar e cantava junto todas as músicas, ora interpretando, ora berrando. Foi uma escola e tanto. Quando saiu O Descobrimento Do Brasil, eu já tinha desencanado um pouco de rock e começava a estudar música. Mas comprei o disco e achei maravilhoso o pop de bom gosto em letras profundamente pessoais. A década de 90 seguiu e eu me afastando cada vez mais do rock. Passei a ouvir e tocar gêneros como blues, choro, mpb, samba tradicional e jazz entre outros. Outra onda. E talvez esse distanciamento do grupo tenha amortecido um pouco o baque pela morte do Renato. Quando uma amiga me ligou ao meio-dia daquele 11 de outubro de 1996 me dando a notícia, inicialmente fiquei muito surpreso porque nem sabia que ele estava doente. Já não acompanhava mais de perto a carreira da banda. Passei o resto do dia agitado, gravando tudo que passava na TV. No noticiário seu médico dizia que ele descobrira ser portador do HIV em 89. Lembrei dele me dizendo "tô tendo problemas com as letras". Será? Depois que caiu a ficha de que Renato não estava mais entre nós, bateu a tristeza. Acho que se acontesse hoje eu certamente ficaria arrasado, mas naquele momento eu estava estranho e não chorei. Não sei explicar. Talvez a música instrumental que eu praticava naqueles dias tivesse me deixado frio, racional demais. Em meados de 2001 enxerguei minha realidade. Vi que aquela masturbação sonora não me levaria a lugar nenhum. Quando comecei a ouvir o disco ao vivo Como É Que Se Diz Eu Te Amo, me deu uma vontade enorme de fazer aquele tipo de som, naquele formato mais pop. Vi que o que eu queria mesmo era cativar as pessoas, passar coisas legais... Lembrei de uma frase do Renato que dizia que uma canção pop era uma vida inteira em três minutos. Resolvi largar todos os projetos com aquele "som cabeça" e investir numa idéia antiga: fazer canções com o coração. Era isso! Como o alquimista do Paulo Coelho, descobri que meu caminho na música era simples, sempre esteve do meu lado, nas minhas raízes. Me senti leve. Peguei o meu vinil do Quatro Estações que depois de alguns anos guardado e esquecido, voltou a rodar na minha vitrola. Que sensação maravilhosa! Há tempos não me sentia tão bem apenas por ouvir música. Quando a faixa que encerra o disco Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar começou, não consegui conter as lágrimas. Foi um choro inexplicável, um choro bom, um choro de felicidade. Como num reencontro com um velho amigo. Voltei a ouvir rock e a escrever letras. E talvez tentando me redimir do meu breve abandono ao poeta e tomado de uma nostalgia num momento em que me sentia meio depressivo e muito emotivo, tentei registrar nessas "poucas palavras" o que representou pra mim esse ser humano chamado Renato Russo. Um pouco do que sou e penso devo à sua existência, às suas letras universais, à sua música, enfim, à sua obra. Tento seguir a sua cartilha sempre que posso e consigo. Sendo assim, encerro esse texto compartilhando com todos uma pequena frase que precedia os autógrafos do poeta: "Força Sempre".

domingo, 12 de outubro de 2008

Consciência

Pra quem tem acompanhado os meus posts sabe que eu sempre tenho uma queda pelo humor e ironia, porém acho que me contagiei pelo espírito reflexivo e sorumbático que tenho notado na atmosfera que me rodeia. Não sei se é meu momento mais introspectivo que me faz ter mais sensibilidade a essas energias, mas o fato é que tenho me voltado mais para dentro, o que por conseguinte me faz ser mais receptivo a determinadas cenas.

O mundo está caminhando para um colapso, isso é inegável. Sidartha Gautama, o popular Buda, dizia que o fim do mundo seria quando homens de meia idade começassem a ter cabelos brancos. Eu tenho 28 e já noto alguns, quem dirá a partir dos quarenta. O apocalipse que a bíblia propaga provavelmente não acontecerá da maneira citada nos autos, com os céus se entumescendo de fogo e os pecadores ardendo nas chamas infernais. O apocalipse é agora!!!

Crise da bolsa,aquecimento global, guerras sem fim e toda uma infinidade de matérias de vestibular mostram o advento do fim dessa nossa amada mãe Gaia. Não reconhecemos o nosso semelhante como parte de nossa essência, e muito pior e não reconhecermos a nós mesmos como dignos de sermos amados. Os diversos paliativos que a cirurgia plástica faz para que consigamos nos aceitar em nada influi na nossa maneira de ver a vida. Continuamos nos desprezando e sempre nos colocando em último lugar. A falta de amor próprio reflete na falta de amor pelo semelhante e pelo próprio planeta.

Chegamos num momento de transição, em que tudo que conhecemos deixará de existir. Novos valores serão a tônica da nova era, baseada no ser e não no ter. Quem tiver condições de estar nessa nova raça raíz, serão como os desbravadores de um novo aeón. Aqueles que não estiverem, que ainda se encontram ligados pelos laços materiais, irão viver suas experiências em outros lugares, ainda providos de matéria densa e nebulosa.

Peço desculpas por bancar o profeta do apocalipse, mas às vezes meu lado cósimco/místico/esotérico teima em dar as caras...aí dá nisso!!!!

Evoé!!!!

sábado, 11 de outubro de 2008

Mau humor.

Por Felipe Grilo

Aviso: se você quiser continuar com o espírito de infância para o Dia das Crianças, pule este texto e seja feliz. Mas se você é uma criança resmungona igual a mim, não diga que não avisei.

***

O inferno está cheio de pessoas bem-humoradas. Acho que mandei boa parte delas para lá. E não me arrependo nem rezo por elas: continuo achando que faço um favor varrendo deste mapa pessoas felizes.

Porque pessoas felizes são chatas. E fazem do meu distrito um celeiro que fede a perfume de melancia. É risinho pra lá, bobeirinha pra cá, abracinho e nhac-nhac nas bochechas das crianças. Isso é chato quando você se torna um completo imbecil, burro e alienado. Nunca dê uma tarefa importante para uma pessoa de bom humor fazer, que ela vai fazer nas coxas. Peça para quem já está com o saco no pé que terminará melhor e mais depressa.

Além do mais, pessoas felizes são suspeitas. Você confiaria em pessoas que mostram que sua vida é maravilhosa, como num seriado americano no qual todos os problemas se resolvem com piadinhas? Aquelas mesmas que escrevem frases de auto-ajuda de autoria própria e dizem que é de Buda? Que mandam corrente por e-mail com desejo de sorte? Ou que, paradoxalmente, com sua grande experiência na arte do bem-viver, não deixam você em paz até conseguirem deixar você em paz?

Eu acho mesmo é que o mundo é bem mais lúcido em tons de cinza. Por experiência própria, fico bem mais engraçado quando estou de mau humor. Eu não sou engraçado? Ótimo que você concorda. É um hábito saudável concordar com alguém de mau humor. Dito isso, conclui-se que pessoas neste estado de espírito estão sempre com razão e, portanto, são mais lúcidas.

Ou pelo menos tornam a escrotidão humana um ponto ao seu favor em qualquer discussão. E posso afirmar com absoluta certeza: só um tiro na testa é tão convincente quanto a escrotidão para explicar o mundo como ele é.

Pessoas de mau humor são mais realistas. Fato. Perdem menos tempo colorindo a vida, tentando achar o lado positivo das coisas e dourando as pílulas. Elas preferem preto no branco, não usam pontos de vista para se consolar e tomam as pílulas receitadas pelo psiquiatra.

Pessoas de mau humor são saudáveis de dar inveja. Não sentem necessidade de se afrescalharem com a brisa da primavera ou tomarem banho de chuva de verão, portanto, não pegam gripe ou pneumonia. E olha que conveniente: pessoas mal humoradas adoram ir ao médico para se consultar. Afinal, se forem parar no clínico geral num domingo à noite, vão ter de quem reclamar: médicos de plantão estão sempre de mau humor.

Em contrapartida, todo bem humorado que se preze deixa de fazer consulta por medo de "descobrir doença" nos exames. Daí morre, já que não é médico (de final de domingo) para suspeitar que precise de tratamento. Com a seleção natural, dá lugar aos verdadeiros sobreviventes e merecedores de perpetuarem a espécie humana: os rabugentos. Darwin que o diga.

Saudável não apenas no fisiológico, mas também na psique. A razão se explica também pela lei de Murphy: apesar de todos dizerem que vaso ruim não quebra, o mal humorado sabe que o vaso SÓ poderia quebrar na mão DELE. Quando quebra (porque quebra, mesmo), a pessoa fica ainda mais mal humorada, suportando privações de serotonina e endorfina cada vez maiores. Os felizes se suicidam inexplicavelmente, enquanto os ranzinzas nunca, jamais, perdem a fé no sentido da vida: as coisas vão piorar.

Pessoas mal humoradas ainda possuem uma vida emocional muito bem esclarecida. Não dizem "te amo" como se fosse bom dia (logo, não banalizam o afeto), não discutem a relação, não sofrem de platonismo e mandam você se foder sem o menor pesar. Chorar é uma opção, mas mandar para o inferno deixa o espírito mais leve de maneira muito mais divertida. E como disse um sábio rancoroso que conheci: "o meu coração é OCO. Não tem bombom de licor dentro."

Pode parecer que não, mas pessoas mal humoradas se divertem, sim! Além de ser vital rir da própria desgraça, elas têm muito mais com que se divertir: a desgraça alheia. Muito mais do que a Disneylândia oferece, e de graça.

Você já mandou alguém para o inferno hoje?

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

As meninas

Com a proximidade do Dia das Crianças me dei conta que, entre as muitas expectativas que tenho e sinto em relação ao fato de me tornar mãe, a de fazer uma espécie de retorno à infância é uma das que mais enchem meu coração de alegria. Nesse sentido, ser mãe de uma menina é a suprema felicidade. Mal vejo a hora de ajeitar no chão da sala minha coluna cansada, que passa os dias a tentar se endireitar diante do computador, e enfileirar blocos de Lego. Desestressar das três horas diárias de trânsito assistindo Cinderela e Alice no País das Maravilhas, apertar barrigas de ursos de pelúcia para ouvir a voz deles, tirar o salto e costurar roupinhas, montar uma passarela de Barbies, contar histórias com finais felizes, enrolar massinha de modelar, fazer comidinha de mentirinha e, acima de tudo, ensinar uma boneca linda, de verdade, de carne e osso, a brincar e a se divertir.
Pode parecer ingênuo (a gravidez dá doçura até às almas mais inquietas como a minha), mas outro dia, depois de lidar com uma situação digna de fazer o diabo desistir de amassar o pão, dessas que só servem para mostrar o quanto as pessoas são capazes de descer até o nível mais baixo possível por causa de dinheiro, senti vontade de… pintar. Senti vontade de comprar um desses livrinhos com desenhos de princesas para colorir – com muito cor-de-rosa, é claro - e esquecer da vida. À noite, ao deitar, também senti de vontade de remexer as sacolas com o enxoval da Maria Eduarda e desembrulhar o ursinho que uma amiga do Fernando deu para ela. Justo eu, que nunca gostei de dormir abraçada a bichinhos ou travesseiros… Queria, não sei como, reviver a inexperiência, a ignorância e a sensação de pisar no terreno macio que é a infância.
Acho que estou virando criança de novo, voltando às raízes, desejando resgatar de algum lugar dentro de mim aquela menina de maria-chiquinha torta e olhos grandes, preparando-a para receber com todo o amor e o carinho do mundo a menina bonita, que tanta “arte” já faz na minha barriga, que vem por aí. Essas meninas vão se divertir muito juntas.
E quer saber? Vou nos(me) dar um presente de Dia dos Crianças. Se é para começar a brincar, que seja logo!

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sensações estranhas - Parte II: Telefone


por Cristiane Senn


Você é uma pessoa normal. Sai, se diverte, tem amigos, colegas, cumprimenta o cobrador do ônibus, a tia da cantina da faculdade, paga contas no banco, pede e dá informação, compra balas na banca – enfim, tudo, ou quase. A questão é que o contato pessoal acontece naturalmente na maioria das vezes, porque afinal os seres humanos precisam viver em sociedade ‘e talz’. Ok, tudo certo. Tudo bem. Tudo tranqüilinho. Jóia.
Só que aí você ouve aquele barulho, aquele ruído irritante e contínuo. A espinha estremece, os pêlos arrepiam, a mão sua, os olhos lacrimejam, os tímpanos doem, a cabeça dói, a necessidade de convivência em sociedade dói. Em uma palavra: TELEFONE.
Não existe nada pior do que a comunicação precisar ser mediada por uma coisa ao mesmo tempo fria e escandalosa como essa. O barulho, a situação de estar com um troço grudado no ouvido, a chance de você não ouvir direito e ter que perguntar de novo, ou de você ter que repetir tudo de novo, o “ouvir não vendo” – tudo isso transforma a ligação numa agonia. Pode-se alegar que na Internet, em que a comunicação é ainda mais artificial, as coisas correm mais naturalmente que na vida real. Claro. No e-mail, MSN, Orkut, blog, (mIRC! ICQ!) você não gagueja, não se engana, não tosse, não arrota, tem um Google à disposição pra não dizer besteiras (e ainda assim diz, mas, outro assunto) e se essas coisas acontecem, são propositais. Pode-se alegar que no contato direto as pessoas também não podem camuflar tais fatores, mas aí é vida real, e na vida real você pode simplesmente sorrir e belezura. O telefone é um meio-termo ingrato, você fala/ouve e não vê, não toca, não cheira. Não basta sorrir, tem que explicar. Todos os sentidos são cortados, resta apenas o ‘ouve aí’.
Pior, muito pior, é quando se está em situação de ter que ligar pra alguém. Depois de arranjar pequenas desculpas como tomar uma água, colocar o cadarço no tênis, checar os e-mails, enfim, procrastinar um pouco esse mini-pesadelo, você precisa ouvir o ‘tuuuu...’ contínuo, coração acelerando, sempre torcendo pra que a pessoa não atenda – e respirando aliviado quando ‘sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens...’ (aqui é comum desligar o telefone, mas eu bem poderia descrever a situação de ter que deixar mensagens de voz, se a intenção fosse postar um conto de terror).

É uma pena que seja indispensável, e claro que no fim a gente acaba se acostumando. Mas quem nunca amaldiçoou Graham Bell no fundo do seu âmago? Operadoras de telemarketing, talvez.

Inevitável.

Por Vinícius Noronha.

Você diz que tua regra é a bendita
Eu desminto tua crença ultrapassada
Você decifra e corrige a minha escrita
E eu desabafo a sirene equivocada

Você repreende a minha estupidez
Eu te atinjo, breve ao meu desgosto
Você me lembra da minha insensatez
Eu te corto com um sorriso no rosto

Você assina cada tola permissão
Eu te ofereço uma vã promessa
Você me atira a tua consideração
Eu reintero que isso não me interessa

Você exerce a sua possessividade
Eu transfiguro a minha alienação
Você quer alimentar a maturidade
Eu quero mais, e não aceito o não

Você zela pela minha segurança
Eu fecho os olhos ao sentido perigoso
Você não vê que não existe a criança
Eu não acredito no caminho tortuoso

Você me coíbe, me tesoura, me inibe
Eu te ignoro, desconcentro, escandalizo
Você não abre mão da razão que exibe
Eu freio a bronca do que mais preciso

Você aperta o cerco e a vigia
Eu imponho método e convicção
Você me enclausura em sua tirania
Eu de chacota descarto a intromissão

Você se recorda do que um dia eu fui
Eu te esqueço, mais um dia que passou
Você se previne do mistério que evolui
Eu te agradeço o segredo que sobrou

Você invade o meu atalho restrito
Eu te expulso da minha intimidade
Você provoca a piedade com atrito
E eu ressuscito a minha imunidade

Você reza por meu futuro promissor
Eu me contento com um presente dado
Você se julga com o saber do professor
Eu dissimulo um adulto preparado

Você me abraça, diz que é pro meu bem
Eu compreendo, apesar dos meus reclames
Você faz mesmo tudo isso e vai além
E assim é inevitável que eu te ame

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Mudaram as estações e nada mudou. (parte 1)

Por Sergio Faria.

Quando a Legião Urbana lançou seu primeiro disco em 1985, a febre do momento era o Rock in Rio I. O disco passou meio batido por causa desse festival mas um carinha da minha turma comprou a bolacha e antes que Será começasse a tocar nas rádios eu, que já tinha caído de boca no som do Lulu Santos, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho, fiquei conhecendo todo o disco. Na verdade, antes mesmo do lançamento eu já tinha ouvido algum material dos caras. Na época eu só ouvia a rádio Fluminense FM. Essa rádio era alternativa e surgiu junto com o boom de bandas brasileiras. Era a única que abria espaço pros artistas do underground e por lá sempre rolavam gravações demos. Foi lá que ouvi pela primeira vez Ira!, Capital Inicial, Plebe Rude, Violeta de Outono, entre outros. E foi assim com a Legião. Ao examinar a capa daquele disco, estranhei o fato de não conter nenhuma foto do grupo. E no encarte preto e branco, somente com desenhos egípcios, estavam as letras que me chamaram a atenção pela temática e pela riqueza. Nunca tinha lido nada parecido. Ouvindo o disco, eu e meus amigos fomos incorporando aquelas músicas que, mesmo sem uma sonoridade pop, grudavam nas nossas cabeças. Me surpreendi muito com a última faixa: com praticamente todas as canções cruas e abusando de guitarras, o disco termina com uma música cheia de teclados e com bateria eletrônica. A música era Por Enquanto (mais tarde popularizada por uma tal de Cássia Eller!). Depois de ouvir essa faixa, perdi um pouco do preconceito que eu tinha com tecladeiras no rock. A possibilidade de assistir ao grupo num espaço pequeno onde se pudesse ficar colado no palco acabou quando o segundo disco saiu. Pirei com aquelas canções e letras que me instigavam a ler. Fui atrás e descobri que Baader-Meinhof, musica do primeiro disco, era uma organização terrorista alemã, que Andrea Doria na verdade era o nome de um transatlântico italiano que naufragou em 1956 e não o da musa inspiradora daqueles versos. Aprendi com Eduardo e Mônica que a gente podia falar de amor sem ser piegas e que pessoas bem diferentes poderiam dar certo. Essas e outras eu cantava e tocava no violão, com a emoção e a expectativa de que um dia eu também poderia viver aquilo. Naquele período as letras me ajudaram muito a segurar a barra pesada com minhas crises existenciais ou com minha família de doidos, totalmente desestruturada. Grilos e mais grilos. Quando a depressão tomava conta eu me apoiava nas letras e nos discursos do Renato. Em alguns shows gravados em fitas k7, eu ouvia frases como "eu vou conseguir", "a amizade é o mais importante" ou "mesmo que tudo pareça perdido tenho certeza que existe alguém que vai querer te ajudar" . Bradadas em alto som entre uma música e outra, essas palavras de ordem faziam minha cabeça, me fortaleciam e eram a minha droga. Elas me confortavam e me davam esperança. E assim minha idolatria por essa espécie de "irmão mais velho" foi ficando maior. Eu começava a tocar violão e acabei montando uma banda com minha patota. Com ela executávamos covers de Ira!, Paralamas, Plebe e Legião. Assim, antes do terceiro disco sair, já era familiar pra todos nós o hino Que País É Este? que tiramos de uma daquelas fitas piratas. Dessas fitas tirei também a quilométrica Faroeste Caboclo. Ninguém entendeu nada na minha rua quando apareci com aqueles 159 versos na ponta da língua e todos os acordes da música na ponta dos dedos antes mesmo dela chegar ao grande público. Como grande fã que era, eu procurava e devorava qualquer texto que falasse da banda ou do poeta. Infelizmente eram raras as aparições na TV. A MTV ainda não estava no ar. Participaram de alguns programas globais como o famigerado Globo de Ouro que colocou Faroeste Caboclo em primeiro lugar e deixou o grupo tocar ao vivo (era sempre playback) desde que omitissem o "filha da puta" da letra, um especial com o Paralamas ou o "romântico" Chico & Caetano. Era uma festa, um grande evento pra gente e até matéria especial em revistas de música. No Fantástico, só apareceram naquele fatídico episódio em que num show em Brasília, um maluquete subiu no palco, pulou nas costas do Renato e tentou enforcá-lo. A carência de imagens era suprida com as revistas. A maior delas eu colecionava: a revista Bizz, única no mercado que acompanhava bem todo o movimento do rock tupiniquim, eu dissecava. Mas o melhor estava por vir. Em meados de 89, recebi um convite de um amigo e resolvi me mudar pra São Paulo por causa dos conflitos em casa, da falta de oportunidade profissional e da violência da "cidade maravilhosa". Marquei viagem pro dia 19 de junho. No dia anterior fui resolver alguns assuntos e me despedir de uma amiga no centro do Rio. Assim que cheguei ao centro, comprei uma edição da revista Bizz que publicava a terceira parte da biografia da Legião. Não abri porque queria ler com calma dentro do ônibus na volta pra casa. Resolvidas as últimas pendengas, sigo eu pela avenida Rio Branco (a avenida paulista do Rio) em direção ao trabalho da tal moça quando, próximo a Cinelândia, avisto um sujeito muito branco vindo em minha direção que me chama a atenção pela semelhança com o Renato. Ao se aproximar, olho pro sujeito novamente e...ai meu Deus!! Era o próprio!!! Meio assustado e sem saber o que fazer minha única reação a princípio foi, num reflexo, balançar a cabeça pra ele. Como vinha caminhando distraído, ele se surpreendeu com o meu cumprimento e somente levantou a sombrancelha timidamente. Parei e olhei pra trás. Aquilo era um sonho! O meu maior ídolo, uma celebridade, ao vivo e a cores ali na minha frente seguia tranquilo sem ser reconhecido por ninguém!? Eu que detestava tietagem fiquei me perguntando se não deveria abordá-lo, afinal de contas aquele cara ali indo embora era o meu maior guru. Ele atravessou uma rua, parou em frente ao vidro fumê de uma agência do Banco do Brasil e começou a ajeitar o seu cabelo. Era um corte muito feio com uns fiapos de topete caindo na testa e aparado com máquina dois nas laterais. Usava uma calça de couro preta e carregava debaixo do braço direito três livros grossos, tipo enciclopédia. Com o coração disparado resolvi falar com ele. Antes de terminar sua ajeitada no pêlo, me aproximei. "Oi Renato!" disse com minha mão estendida tentando esconder meu nervosismo. "Sou super fã da banda!". Ele, que certamente lembrou que eu acabara de passar por ele, ficou meio sem jeito, trocou os livros de braço, apertou a minha mão e soltou um "oi" tímido. Estava sério e ressabiado. Me esforcei ao máximo pra passar naturalidade, fingi que estava indo na mesma direção que ele (como assim?) e puxei conversa. "Poxa, o disco novo tá demorando pra caramba pra sair, hein!? O que é que houve?" perguntei me referindo ao que seria o "Quatro Estações". Ele respondeu: "Sabe o que é? É que e tô com muitas dificuldades com as letras e também tem o lance do Billy ter saído!" (Billy ou Renato Rocha foi o baixista dos três primeiros discos e que só depois de muitos anos ficamos sabendo que foi dispensado da banda por causa da sua piração com o uso de drogas). Seguiu ele: "Na verdade voltamos as nossas origens agora. No início da banda éramos só nós três: eu, o Dado e o Bonfá..." tentava ele me explicar, talvez me achando um leigo ou um fã de FM pela minha aparência, pelas roupas que eu trajava: calça jeans nova, camisa gola polo e sapatinho de camurça dokside somados a uma carinha de baby johnson com cabelinho curto e bem penteado (Putz! Juro que só me vesti daquele jeito porque fui me encontrar com aquela menina. Que merda!). Aquelas explicações me incomodaram um pouco e imediatamente o interrompi: "Eu sei, eu sei! Conheço toda história da banda!". (continua...)

domingo, 5 de outubro de 2008

Proibido para menores de 18....

Olá jacobinos e girondinos,amantes e amigos desse blog que vos salta às vistas. O tema que me traz a esse post é o seguinte: Outro dia navegava pelo site do buscapé, e me deparei com uma "oferta" interessante, que consistia num dvd pornô( eu juro que apareceu sem querer, estava apenas procurando a biografia de Jean Paul Sartre) em que a estrela principal era nossa queridíssima Gretchen. Fiquei triste, apesar de que a poesia competente da cantora não tem mais apelo comercial hoje em dia ( conga la conga...brilhante poesia), não esperava vê-la chegar a esse ponto( porém não reclamo!), mas o fato é que isso tem se tornado cada vez mais comum, haja vista que isso ja ocorreu com grande ícones como Rita Cadillac, Matheus Carrieri, Alexandre Frota, Vivi fernandez (quem?!!) e mais recentemente o pan-sexual Oliver, ex-macaco de corda sexual de João Kléber. Mas depois de ver a rainha do bumbum jogar-se nessa panela de sodomia, percebi o quão rentável é essa atividade, e deverá se tornar cada vez mais comum nos próximos anos.
Por isso, o tenho a honra de apresentar as maiores produções da indústria porno-erótica que irão figurar no ano de 2009. Preparem o talão de cheques, e preparem-se para dormir nas filas da lojas, porque o que vem por aí é ouro puro.

ARY FONTOURA EM:



"O planeta dos macacos tarados": Oseinha é um funcionário público exemplar que um dia tem a chance de experimentar uma estranha máquina do tempo( que também adestra cavalos) e viaja ânus luz no espaço até chegar ao famigerado planeta dos macacos tarados. Lá, ele vai lutar constatemente para manter intacta sua mente e corpo( algumas partes em especial) e ainda escapar da abdução dos terríveis lordes Gorilas tesudos, que constatemente abduzem sua vítimas contra a vontade. (dizem que as últimas vitimas abduzidas ficaram sem sentar uma semana.)

LADY FRANCISCO em:


"A enfermeira sapeca": Ivonalda e uma jovem e inocente enfermeira, que decide criar um método muito ortodoxo de cuidar de seus pacientes. Seus métodos incluem carinho extremo e muita atenção, até que é descoberta pelo médico respondável por sua ala. E para salvar sua pele sedosa, entrega-se aos prazeres com o doutorzão. Premio "membro de ouro" de melhor atriz para Lady e seu imapagável corpete branco.


WAGNER MONTES em:

"No orKUt não!!!": Regildo é um detetive que procura ligações perigosas no site de relacionamentos orkut, até que conhece Kharhina, uma maravilhosa travesti que procura auxiliar Regildo a desmantelar uma guangue de pedófilos. No ínterim da película os dois se apaixonam, mas a criação rígida de Regildo não permite que viva esse amor completamente. Eles apenas fazem sexo selvagem em algumas das vielas pouco movimentadas de Itaquera. Prêmio "membro de ouro" para melhor ator coadjuvante: Thiago Lacerda como a travesti Kharhina.


NICETE BRUNO e SUELI FRANCO em:


"Duas mulheres e um burro": Craudete e Craudielle são duas virgens que moram no interior de São Paulo. Sempre muito protegidas pelo seu pai, um influente coronel local, as duas nunca tiveram a chance de realmente conhecerem o verdadeiro amor. Mas a sorte das duas muda quando elas conhecem Sagirnei, o burro favorito do coronel e o animal mais temido da fazenda. Depois de tórridas noites de amor, ambas engravidam do burro, porém a gestação de nenhuma das duas vinga. Mas triângulo amoroso continua ardente. Prêmio "membro de ouro" para melhor ator coadjuvante: William Bonner, como a voz do burro Sagirnei.

sábado, 4 de outubro de 2008

Identidade.

Por ???

Hoje eu tenho uma revelação a fazer. Coisa que vinha guardando comigo há muito tempo e, sinto, chegou o momento de fazê-la. Não posso mais enganá-los. Vocês já repararam que meu estilo de escrita vem mudando com o tempo, conforme canso de ostentá-lo. Escrevo desta forma, irônica e abusiva em argumentos, para fugir do que sou: sentimentalista, poético, filosófico. Meu nome não é Felipe, e meu apelido não é Grilo. E não sou este moleque de 20 anos. Isso foi uma identidade que desenvolvi para escrever sem ser criticado, perseguido, atormentado pelas autoridades.

Eu sou Renato Russo. Na verdade, Renato Manfredini Júnior, nascido no Rio de Janeiro em 27 de março de 1960. Enfim. Tudo o que escrevem a meu respeito na Internet é verdade, a não ser pelo factóide seguinte: Não morri de AIDS, como meus inimigos sugerem. Estava só com uma gripezinha. Mas como tive de ser afastado da fama por causa das merdas que sabia a respeito do governo, dizer que estava com AIDS veio a calhar. Merdas que vou deixar para comentar no texto seguinte.

Logo após o enterro de um boneco de cera, sumi para as ilhas canárias, onde fiquei recluso e aprendi os princípios da Ayurveda para elevar minha alma. Fiz uma plástica para rejuvenescer uns anos, sem muito sucesso, claro. Não consegui abandonar a barba e o jeito... hm... peculiar de dançar por entre as árvores. Emagreci e consegui ficar até menor em estatura, o que exigiu algumas operações ósseas e muita fisioterapia. No entanto, a mudança mais difícil de identidade foi abandonar a vodka. E sex pistols. E os filósofos como Hegel, a poesia russa, as leituras sobre política. E, principalmente, mudar completamente meu estilo de escrever.

Aliás, não apenas mudar, como piorar. Tive de abandonar o lirismo, a observação da vida por meio da sua essência, a voz que falava diretamente aos corações dos jovens, e o estilo que me consagrou como um dos maiores e mais valorosos poetas da minha geração. Para escapar do regime militar de uma vez por todas, joguei no lixo refrões cheios de niilismo e que falavam de inseguranças emocionais daquela geração. Versos que até hoje, por algum motivo, falam com muitas pessoas até hoje.

Fiquei com essa escrita medíocre em prosa, que fala das coisas mundanas e faz observações amadorescas sobre a realidade oculta das pessoas. Foi o máximo que consegui piorar. Mas ficou bem próprio de vinte anos. O que estão achando?

Agüentei todos os tipos de provações para esconder minha verdadeira identidade. Toda vez que as pessoas olham para mim e falam "você parece o Renato Russo", algo grita muito forte no meu coração. E quando perguntam "e aí, Renato Russo?", eu dou uma risada tímida para esconder. Uma vez entrei em uma loja em São Caetano e, por coincidência, estavam tocando Vento no Litoral, uma de minhas músicas. Os vendedores começaram a se cutucar, e olharam para mim com um risinho escondido nas faces.

Fato é que estou ficando cada vez mais parecido comigo mesmo. Já me disseram isso. Tomei a decisão de contar a vocês porque o resultado das plásticas está se perdendo com a idade, o que fica ainda mais evidente quando deixo o cabelo crescer e me esqueço de fazer a barba mensalmente.

Tudo isso vai além da questão estética. Certo dia, de repente, comecei a dançar na sala. Minha mãe, ao perguntar se estava tudo bem, obteve como resposta "não olhe para mim! olhe para meus movimentos!". Quem me conhece, nota que estudo publicidade para disfarçar minha vontade de abandonar este mundo materialista. Dizem que tenho cara de USP e deveria estudar filosofia, letras ou artes cênicas por lá. Nego com a fala, mas não com os olhos. Acham que eu ficaria bem usando uma bata hindu, e mesmo que eu diga que ficaria ridículo, olho para o espelho e me vejo com uma delas. Não sei falar de amor e, droga, vivo dando conselhos amorosos! Por tudo isso, não havia mais como negar. A verdade logo viria à tona.

Então é isso, pessoal. Eu sou Renato Russo. Pronto, falei. Acreditem se quiser, estou pouco me fodendo para aqueles que vão achar isso uma piada de mal gosto.

Ah, que alívio! Chega de farsas, de modéstias, de uma imensa prisão no interior da minha alma. Como é bom estar de volta! Como é ruim saber que os Titãs não são mais os mesmos. Enfim. Vocês ainda cantam minhas músicas?

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

(Des)Acentuação.

Por Adriana Hernandes.

Essa semana o companheiro Lula assinou o tal decreto que autoriza a reforma na escrita do Português. Eu ainda tenho minhas dúvidas quanto a essa mudança ser benéfica ou não. Talvez seja uma boa pra pessoas que, assim como eu, dão inúmeras pisadas no tomate quando o assunto é acentuação. Mas também confesso o meu medo de que essa alteração abra portas para que, futuramente, o “nois vai”, o “agente fumo”, o “pra mim fazer” ou o “MeOxXxX MiGuUuXuSs” adentrem oficialmente ao nosso vocabulário. Pesadelo, né?

Bom, só sei que a partir 2009 as letras "K", "W" e "Y" farão parte do nosso alfabeto. O acento agudo, o circunflexo e o diferencial sairão de certas palavras. O hífen virará exceção de uma nova regra. E o trema, pobrezinho, será espinafrado de vez do clube e irá se juntar ao "ph" de "pharmácia" no vale dos enjeitados da nossa língua Portuguesa.

Mas pensando bem, acho que essa mudança poderia ser pior.

Imaginem se alguém decide acabar com o til?
Poxa, o coitado nunca teve a chance de entrar para o rol dos acentos oficiais, e olha que ele merece. O til costuma acompanhar palavras tão especiais: "Macarrão", "diversão", "canção", "emoção", "perdão", "coração"...
Está certo que muitas vezes ele aparece só para coroar um alto e sonoro "não". Mas seria tão chato e sem graça não poder mais intensificar uma "paixão".

Ou então se dessem cabo dos pingos nos "is"? Horrível não conseguir mais se explicar, se retificar. Apesar de que, ultimamente, o que mais se vê por aí é gente fazendo questão de esquecer que isso ainda existe.

Contudo, o verdadeiro desastre estaria na abolição ponto. Porque uma coisa é certa: Para histórias que não caminham bem ou que, simplesmente, estejam nos fazendo mal, a melhor solução ainda é o ponto final.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Sensações estranhas - Parte I: Espelho


por Cristiane Senn


Já sentiu a angústia que dá quando você se coloca pra fora de si mesmo? 5 minutos em frente ao espelho são capazes de fazer um indivíduo se suicidar. Porque a distância e o estranhamento nos fazem perceber mais os pontos negativos do que quaisquer outros. 5 minutos em frente ao espelho te convencem do quão patético e ridículo você é, que esse corte de cabelo não tem razão de ser, e "porque diabos eu me acho tão bem apresentável com essa blusa azul?". Tudo o que é superfície perde o sentido.
Se ver de fora é um exercício de realidade e morte. Realidade não propriamente dita, ou não propriamente real, ou não propriamente universal. A realidade vulgar do ser humano, aquela que ele constrói pra si, não é senão ficção (Era uma vez uma garota simpática que sorri...). Ver-se de fora é ver os sedimentos involuntários sobre essa construção. É ver a poeira, a sujeira, o mofo, a teia. É doloroso ver-se tão sujo e abandonado. Descascar a tinta e achar a infiltração que pode fazê-lo desabar a qualquer momento.
Morte não propriamente dita. Talvez um coma ou catalepsia. O fantasma de desenho animado que sai do corpo e não consegue achar um espaço pra si. Assim acontece, nossa alma sai de nós e nos olha com desdém, soberba, mas também angústia e humilhação, porque sabe que terá de voltar. Não encontra um caminho sem volta. Pega nosso cérebro emprestado e pensa: "eu sou a alma deste corpo patético". E isso dói.

5 minutos é o processo, 5 segundos é a duração desse estágio "isso-aí-sou-eu-que-existe(o)" - pois tratamos de voltar pra dentro antes que escureça.