segunda-feira, 16 de março de 2009

Entropia.

Por Sergio Faria.

Quem me conhece bem sabe que sou um pessoa diícil quando rola uma mágoa, uma decepção, uma sacanagem. Sabem que sou orgulhoso, ranzinza, intransigente e teimoso. Consigo perdoar mas não consigo esquecer. E guardo as lembranças dos vacilos com cuidado pra que em momentos de distração eu não esqueça do que me fizeram e assim não me deixar levar pelo coração e acabar voltando como um cachorrinho otário abanando o rabo. E hoje em dia tô bem pior pois tô mais velho e cada vez mais sem paciência. Já quem não me conhece direito acha que sou bem legal, bom sujeito, super do bem, um cara diferente, especial, o diabo a quatro. Ouço de tudo. Mas como sei bem o que sou (hoje bem mais), não dou a mínima quando me jogam confete. Deixo eles se iludirem, claro, desde que isso não interfira num relacionamento que possa vir a ser bacana, saudável. Os que me conhecem mesmo sabem que não sou santo e que nem pretendo ser tão cedo. E dependendo do meu momento, do meu estado de espírito, sigo cagando e andando pra todos e falo de meus podres abertamente, me expondo até pra pessoas estranhas. Transparência? Imaturidade? Autenticidade? Sinceramente não sei se isso é tão ridículo assim, se é bom ou se é ruim, mas acho que preciso definitivamente mudar meu jeito de ser, de tratar com as pessoas, de falar, de agir com elas. Por conta desse meu comportamento inconveniente, desse meu jeito falastrão, dessa minha ingenuidade fora de época, assumo sem o menor pudor que sou um péssimo professor de música. Sei muito bem que minha função é ajudar as pessoas a crescerem musicalmente, auxiliar no desenvolvimento em seus instrumentos, mas como não consigo ser um profissional sério o tempo todo porque sempre saio do foco entrando em “viagens” que quase sempre são pessoais, só me resta tentar conduzir minhas aulas de uma maneira mais descontraída pra eles, procurando lesar cada vez menos esse pessoal que na sua maioria são bem legais e tolerantes comigo. Sei também que brincar, falar merda e até mesmo dar uma de Patch Adams na minha rotina é a forma que encontrei de deixar meu cotidiano menos chato, de enxergar minha profissão menos inútil e de tornar meu dia menos doloroso, e isso é fundamental pra mim porque quando racionalizo e me vejo atuando, acho tudo um saco, uma ilusão, um porre, mas olhando com mais calma tenho que reconhecer que tudo tem um limite mesmo. Não que eu não goste do que faço. A música na verdade é o meu pretexto pra encontrar as pessoas, aprender com elas, fazer amizades. Mas tem outro problema: como não tô nem aí pra minha posição de professor, o meu jeito de olhar pra todos é igual. Desde o moleque de 9 anos que nem sabe direito onde mora até aquele idoso com duas pontes de safena que adora contar as aventuras da sua adolescência. Se em algum momento de minha vida todos eram pra mim culpados até prova em contrário, hoje tô mais aberto, receptivo e esperançoso de que vários deles deixem de ser somente alunos pra virem a fazer parte do meu círculo de amizades. Mas infelizmente nem todos conseguem enxergar isso ou mesmo ter o mínimo de sensibilidade pra sacar quando voce veste a camisa por eles. E é aí que mora outro grande problema. Como nunca tive a pretensão de me tornar um respeitado profissional nessa área, nem quero ser reconhecido pela minha didática, continuo largadão, sem ligar pro dinheiro nem pros minutos que ultrapassaram a hora da aula ,e assim acabo relaxando novamente , desleixando e me comportando como um professor de araque. Então esqueço das regras, dos limites, da ética, e lá vou eu querer fazer as pessoas rirem ou mesmo mudar o mundo. Como na semana passada que brinquei com uma aluna nova da turma de teoria citando o AA depois que ela deu seu “depoimento” falando que antes de se converter ouvia rock, samba e outros estilos profanos. E não é que na aula seguinte com meu irmão ela desabafou chorando que se sentiu muito mal e humilhada (!) com meu comentário e por causa disso até resolveu desitir do seu curso de teclado? Como assim? Será que vou ter que tratar todos os alunos como colegiais e medir minhas palavras pra não maltratar a ninguém? Não seria subestimar a inteligência de todos se eu agisse como a professorinha do 1ª série? É foda. Mas talvez pior que esse episódio tenha sido o daquela menina de 13 anos que ficou irritada comigo só porque sugeri um tom melhor pra uma música que ela tava estudando na aula de canto. Eu só queria que ela subisse o tom pra valorizar o timbre e dar brilho a sua voz que é bem bonita e afinada. Só que ela não entendeu nada e ficou putinha comigo. Levantou pra beber água enquanto eu procurava no violão um tom melhor pra ela. Depois quando fui pacientemente e de forma bem humorada explicar que o lance não era com ela e sim com a altura da música que tava meio fora do seu registro, ela foi grossa e me secou com um olhar que eu nunca tinha visto da parte dela. Isso tudo na frente do seu professor e ao lado da mãe omissa (retardada?) que não fez absolutamente nada Incrível! Eu já sabia que a pirralha era mimada mas nunca imaginei que ela pudesse ser tão mal educada assim e pior, fora da sua casa! Depois disso, parei e me perguntei: o que é que eu to fazendo aqui? Mesmo muito irritado, me controlei levantei e falei numa boa que ela poderia cantar a música que quisesse, no tom que quisesse, do jeito que quisesse. O clima ficou esquisito e eu fiquei com aquilo entalado na garganta. o resto do dia. Depois da aula o professor veio falar comigo. Disse que ela tinha errado mas eu também. Não deu pra gente aprofundar o assunto porque ele teve que ir embora mas provavelmente o meu erro ao qual ele se referiu era o de ter me metido na sua aula. Só pode. Certíssimo. Diante dessas pixotadas fiquei meio derrubado, muito injuriado e querendo radicalizar. Pedi conselhos a milha mulher pra eu melhorar meu jeito. As dicas que ela me deu não me ajudaram muito. Todas as coisas que ela me falou eu já tava careca de saber: que eu falo demais, que sou espalhafatoso, que gosto de complicar, blá blá blá... Fiquei numa sinuca de bico sem saber pra onde ir. Será que devo ser frio e concordar com um antigo professor de música que me falava que os alunos são somente números e devem ser tratados como gados? Não dá, não consigo. Mas se trato bem, levo trabalho pra casa, tiro música de madrugada e mando por email, dou conselhos e levanto o astral, faço música pro cara dar pra namorada, ajudo a fazer rescisão de contrato, dou cafezinho, formo casais, monto bandas, indico dentista, faço serviço de luhier de graça, baixo músicas na internet, tiro dúvidas fora da aula, distribuo currículo, dou carona e o escambau, mesmo assim muitos me abandonam, somem mesmo e não tem a menor consideração de pelo menos ligar pra avisar que não vem mais. Apesar de tudo isso, não consigo, não sei como mudar meu jeito. Então como canalizar minhas energias naquilo que felizmente ou infelizmente acabou virando minha vida, meu trabalho? Vou tentar, me esforçar ao máximo, tentar ser o tal profissional, o meio termo, o cara equilibrado, metódico até certo ponto mas com uma pitadinha de palhaçada porque senão a coisa fica maçante e pode ser que eu comece a ficar infeliz. E se isso acontecer com certeza aula não vai render. Vamos lá, tudo bem. Se eu conseguir começar minhas aulas na hora certa já vai ser um grande recomeço.

2 comentários:

Marcia Veiga disse...

Sou uma leitora do blog,entro sempre pra ver se tem um texto novo..... Nessa "volta" de todos vcs, senti liberdade nos textos... não vou arriscar mais nem um termo... é bom lê-los (nem sei se se escreve assim mais) sempre!!!! E não é confete, Sergio faria.rs

Anônimo disse...

Serginho, você é e sempre foi um cara bacaníssimo. O paulistano médio é que não está preparado pra esse seu bom-humor e sensibilidade tão deliciosamente cariocas. Azar o deles, sorte nossa! Beijos na Heleninha e criançada.