domingo, 22 de março de 2009

Eu, outdoor.

Por Felipe Grilo

De frente para uma avenida, um homem em cima de uma escada e de cola em punho, ajeitou minhas folhas, me deu forma e aqui estou. Um outdoor de formato convencional, impressos em quatro cores e sem apliques, oito palavras em uma frase, uma foto de alguém, outra do produto e a marca de um anunciante. Antes de estar aqui não lembro como fui concebido, mas o mais comum é que publicitários desenhem e escrevam minhas mensagens dentro de um computador, para depois passarem tudo a uma impressora gigante, e então ao suporte metálico que pode estar em qualquer rua, avenida, estrada... tudo a depender das decisões que fizerem por mim.

Não sei até que ponto isso se parece com a gestação de uma pessoa, boa ou má, pela sua sociedade. Só sei que daqui de cima vejo um garoto pichando o muro com sua assinatura. Nós dois somos vândalos. Um com motivos para ser, outro sem. Custa saber qual é qual.

Não importa. Nasci (ou melhor, surgi) e tenho uma missão a cumprir até meu último dia de vida, que será daqui a 14 dias – uma bissemana, como dizem os publicitários: dizer estas oito palavras, mostrar estas imagens e o logotipo do anunciante ao maior número de pessoas possível. Em suma, vender uma idéia.

Daqui de cima vejo um daqueles pregadores de igreja que procuram salvar vidas com seus sermões. Vejo também índios tocadores de flautas e vendedores ambulantes. Todos eles possuem algo em comum comigo: passam a vida tentando vender as suas idéias a outras pessoas, que as ignoram como se fossem mendigos. A única diferença entre eles e eu é que não sabem quanto tempo têm de vida. Ah, se soubessem...

Para fazer meu trabalho com mais eficiência, é bom que eu seja assim: grande em proporções, berrante nas cores e simples nas idéias. Uma mensagem gritada, sem romance, sem diálogo e, não raramente, sem razão.

Quando chegar a noite você vai ver o mesmo que eu: uma prostituta encostada no poste. Ela se monta, se maqueia, se penteia e se exibe marginal e maravilhosamente... mas quando chega alguém o papo é curto: "você me dá 5, eu chupo seu pau."

Como é de dia, podemos ficar com vistas mais prosaicas (se é que um vocabulário assim cabe para um outdoor). Veja: malabaristas de farol, moças de concessionária, mendigos, punks de boutique, empresários e todas as outras pessoas procuram chamar atenção pelo que vestem, possuem, fazem, exibem... mas se chegar perto demais, mais intimamente, não possuem mais do que oito palavras para compartilhar.

Eu, outdoor, preciso disputar a atenção dos passantes em meio a diversos outros outdoors por aqui. Nós nos ignoramos: dizemos o que precisamos dizer, mas não conversamos sobre o que dizemos. Afinal, ninguém pode questionar que o MEU sabão lava mais branco que o dele, por mais irracional que seja a afirmação. Não é possível lavar cada vez mais branco.

Vejo muita gente de carne e osso, passando pela rua, que age da mesma forma falando ao celular.

Nunca achei nada disso muito triste, apesar de meus dias acabarem rápido. Tenho 14 dias para colocar a minha alma neste mundo. Uma promessa de felicidade que deve marcar eternamente a vida das pessoas... isto é, até eu serei trocado por uma propaganda de condomínio em construção. É verdade que alguns vão notar a mudança na paisagem, mas ninguém vai sentir a minha falta. Nem mesmo da promessa que eu fiz e parti sem cumprir. Estão acostumadas. Meu sucessor fará uma promessa ainda melhor.

É como aquele casalzinho lá embaixo. O garoto está prometendo à sua garota que nunca mais vai magoá-la, que é o amor de sua vida e que serão felizes para sempre. Mesmo depois do casamento. Daqui a uma bissemana eles terminam o namoro.

3 comentários:

Freelancer Sukeban disse...

O bom de ficar eras sem ler teus textos é que dá pra ver o quanto eles melhoraram de verdade.

Já está mais intimo das palavras e adquiriu um controle maior do fluxo das palavras e idéias de forma a ter poder sobre quem está lendo.

As imagens que vc tece com palavras estão mais nitidas e claras agora.

Keep!

Marcia Veiga disse...

Grilo teus textos são demais. Leio e releio... daí não dá pra não deixar um comentario... atrás das palavras, algo que me comove...

Fernando A. Medeiros disse...

De autor a personagem. Publicitário outdoor. Acho que já viveste bem mais de 14 dias, não?