sábado, 7 de março de 2009

A puberdade.

Faz falta ser criança, não é? A infância é uma época de nossas vidas que gostamos de revisitar na memória. Todo mundo tem boas coisas para contar e costuma sorrir, às vezes até se emocionar, daquela época em que somos bonitinhos, inocentes, criativos, inteligentes, falamos bobagem pra cacete e cometemos pequenas crueldades sem mágoas, rancores e recriminações, e nas horas vagas exercitamos "a aristocrática arte de não fazer absolutamente nada". Não é à toa que existem muitos autores, como Moacyr Scliar, por exemplo, que colocam na maioria das suas obras as cores e os sabores deliciosos de ser pai e de ser filho.

Mas sabe por que ninguém fala da puberdade com esse mesmo carinho? Porque é uma época escrota.

Veja só: a bonitisse e a fofura da infância gra-da-ti-va-men-te dão lugar a aspectos mutantes no corpo que fica, no mínimo, pouco estético. Mas não falo só do aspecto físico. Sabemos o quanto a divisão entre infância e adolescência leva a crises psicológicas, emocionais, sem ter idéia precisa de como agir. E sabemos o quanto essas crises dão margem a todo tipo de comportamento. Como cantar "eu sou rebelde", dizer no íntimo "meus pais são ri-dí-cu-los!" sempre que sofrer uma repressão qualquer, se achar dono da verdade por causa de um bigode, independente e com personalidade própria por causa de uns peitinhos, e mesmo assim não conseguir fazer nada sozinho ou responder por coisa alguma.

Na escola, de uma hora para outra, os professores se deparam com os pequenos marginais agora organizados em castas: pestes do fundão, esportistas folgados, jogadores de aviãozinho, meninas fúteis, garotos fedorentos, metaleiros anêmicos, skatistas vida loka, mini-rappers, desenhistas de carteiras, dorminhocos & entediados, isolados & emos, nerds (ou CDFs), entre outros. Eu me orgulhava de ser o nerd mais esquisito da escola: durante a aula me questionava o porquê das pessoas serem tão bizarras, no intervalo me juntava com um desenhista de carteira – amigo meu até hoje e que virou ilustrador - e atrasava a vida da professora com meus papos sobre OVNIs.

Mas a questão da sexualidade é, até hoje, a que rende mais observações. Para começar, meus colegas garotos, vendo malícia até em gente se espreguiçando, falavam sobre sexo com assertividade, mas não entendiam nada sobre aquilo. Exemplo é outro amigo meu que, dizendo-se desvirginado, conversando com a gente descobriu que não: aquela fenda no baixo púbis não era "exatamente" o órgão reprodutor feminino. Pelo menos eu lia o livro de biologia.

Já entre as meninas, a seção de cartas de algumas revistas dizem por si: "Eu queria saber algumas dicas sobre beijo! Como treinar em casa para dar o primeiro?" "minha amiga foi numa festa e ficou com meu mino na minha frente!" "meus pais não confiam em mim para namorar, mas eu já tenho 13 anos!", "eu gosto de um menino que diz que gosta de mim, mas ele diz isso pra todas as minhas amigas. Devo ficar com ele?". E assim por diante.

É também neste período que os garotos e garotas questionam sua opção sexual, o que leva a alguns disparates como "sair experimentando" por curiosidade, mesmo sem ter claro, em sua mente, o que está sentindo e o que quer sentir. Daí vira modismo ou esporte se dizer bi, lésbica ou gay, só porque é diferente do convencional, mas sem pensar no tamanho da responsabilidade e das conseqüências que é assumir sua preferência em uma sociedade discriminatória.

E no mundo virtual, como tudo é permitido e permissivo, a puberdade se libera em grau máximo de escrotidão: perfis de redes sociais e nicks do MSN multicoloridos, às vezes escritos em miguxês, falando das BFF (Best Friends Forever) e das inimigas vadias, ou das namoradas, dos amores eternos, das bandas e da MTV. Pela internet, como se fala tudo o que se pensa, não se mede esforços para dizer algo descabido, como "sua inveja faz meu ibope", "eu sou + eu", "não gosta de mim, entra na fila", ou então fazer coisas grotescas como entrar no provador de alguma loja, experimentar as roupas, tirar fotos e mandar pro flogão, ou tirar foto com ângulo de cima pra baixo, fazendo pose máscula, com copo de cerveja ou segurando uma nota de 50 reais,

Mas tudo bem. Isso passa. Ah, assume, vai: você já passou por tudo isso. E se não passou, não pense que é muito melhor que os outros. É melhor fazer besteira na idade certa do que deixar para fazer depois. E olha que faz, viu? Não diga que eu não avisei.

5 comentários:

Unknown disse...

Os textos do Grilo são sensacionalmente fan-tás-ticos!

Marcia Veiga disse...

Muito bom como sempre Grilo...Me fez lembrar de vários momentos... Faz tempo!!! Mas com certeza essa fase reflete em todo resto das nossas vidas... Textobem colocado e rico!

Anônimo disse...

Acho que passei por quase todas as fases possíveis: Saía às compras com a minha mãe usando uma camisa do Ramones (eu era muito punk), desenhava corações no caderno, e dentro deles escrevia a minha inicial e a do garoto que eu gostava,discutia muito com minha profª de Sociologia por conta de umas ideias que eu tinha, criava códigos com as amigas etc. Não era da turma da frente por conta da timidez, nem da turma do fundo porque não enxergava... Enfim, bons tempos!

Ah, e do meio para o fim do Ensino Médio, eu era da turma que levava o violão pra escola e... vocês imaginam, né? :D

Textaço, Grilo, parabéns!

Daniel Ramos disse...

Eu era um desenhista de carteira,ehehe
ótimo texto

FVero disse...

muito booom! adorei!