De Vinícius Noronha.
Ser nerd não é viver em uma graphic novel idealizada: é muito mais! Ser nerd é evitar expôr o sorriso com receio de que achem algum resíduo alimentar em seu aparelho fixo, e só deixar o maldito aparelho à mostra quando tiver acometido de crises de espirro irresistíveis. Ser nerd é pensar em como seria sua vida se fosse mais alto, mais forte, mais popular, mais mais, mas projetar o futuro por reconhecimentos que nada tem a ver com esses anseios fúteis. É se concentrar nas minúcias mais desapercebidas de cada coisa, e conquistar sempre pelo implícito, confiando em sua observação aguçada pra fazer a amada se sentir única. Aliás, ser nerd é fazer declarações dignas de inspirações Sheakesperianas, ainda que não ultrapassem três palavras. E ainda gaguejadas. E não obstante acrescidas de pigarros e perdigotos soltos como efeito do nervosismo.
É não usar palavra alguma de reclamação, e ainda assim abrir berreiros incontestáveis internamente. É passar um dia inteiro em frente ao computador e crer piamente que está regojizando a vida com maior proveito que os bocós entorpecidos de álcool e ficadas insignificantes. É ainda comemorar o novo download, e ter um colapso depressivo cada vez que o arquivo chegar corrompido e impossibilitado de execução. É encontrar referências em coisas que ninguém nunca ouviu falar. Ser nerd é dar uma gargalhada desengonçada, ao lado dos colegas, justificando que tal professor lembra muito o Steve Buscemi, pra ouvir, na sequência, o coro: "Hã?".
Ser nerd é despejar acidentalmente fluídos e secreções diversas, via oral ou nasal (ou mesmo por outras vias menos dignas de comentários), e assim divertir aos demais, pobres normais, que não sofrem dessas incontinências. É lamentar a normalidade que o cerca, com tantas pessoas plasticamente felizes que acreditam que suas vidas tem o valor da imagem que projetam. Ser nerd é saber que Linux não é nome de cachorro, é erguer um templo para Tolkien, é se alimentar de junk food como 80% da humanidade, mas ser o escolhido a dedo pela graça dos elfos para ter as espinhas mais grotescas.
É ainda ser nerd bisbilhotar em e-zines nomes de bandas e cineastas de países cujo PIB é menor que o do Estado de Mato Grosso, e compartilhá-los com os demais asseclas (quer dizer, não todos os nomes, pois ser nerd também é ter domínio sobre algo inédito que ninguém nunca iria se preocupar em descobrir se não for um dos mesmos, e todos, absolutamente todos os nerds, tem que ter sua moeda do Tio Patinhas). É ser fã incondicional de uns seis artistas e ignorar todos os demais (dos quais outrora também já foi fã), é ler a New Music Express pra falar mal, mas baixar todas as músicas citadas na revista, é achar a MTV a maior idiotice do mundo, mas secretamente assistir a todos os programas (pra coletar motivos sinceros que atestem sua ojeriza, claro), é criar gírias estranhas na internet e se divertir horrores com isso. É tornar o milk-shake um campeão de vendas e ainda é dar rios de dinheiro para a indústria farmacêutica.
Ser nerd é ter na casa seu reino, e no seu quarto, sua fortaleza. É usar sua aptidão aritmética como desculpa pra aproximação com colegas. É ser extremamente requisitado em provas e prestigiado em recuperações, como o cara que pode salvar a pele de todo mundo com suas anotações e colas. Ser nerd é, em dados momentos, roubar a atenção das garotas por uns poucos segundos, exalando sutilezas e olhares constantes, pétreos, tão sinceros quanto ingênuos, que logo vêm a fantasia se desmanchar quando a admiração delas se desvia pro garotão de porte atlético e mãos atrevidas, pra quem a vida é se servir de um farto banquete, enquanto, em sua sina, o nerd deve contentar-se com as sobras.
É tentar encontrar, em confissões bloguinianas, um alívio para as angústias que o assola. É choramingar pelos amigos escassos que possui, mas logo se encher de alegria por saber que aqueles poucos amigos são pra vida toda. É ser compreendido pelos iguais, e mesmo assim atirar o rótulo de "nerd" pra cima deles, nunca aceitando-o para si. Ser nerd é ter informações privilegiadas sobre tudo, e assim poder se contemplar com um pouquinho de poder e de orgulho, afogando a baixa estima, e crendo um tico mais ser o cara bacana que os únicos que o conhecem bem tanto proclamam.
Ser nerd é tropeçar no cadarço, quebrar dente na pia, colocar band-aid até no cabelo. É demorar 5 minutos pra falar uma palavra de três sílabas a alguém que nunca viu na vida. É calcular, milimetricamente, a forma mais eficiente de passar desapercebido pelos outros e assim não ter o seu mundinho invadido. E, ao mesmo tempo, é desejar ansiosa e desesperadamente que alguém invada o seu mundinho e descubra a pessoa dedicada, prestativa, sensível e muito engraçada que se esconde por aquela carcaça branquela-rósea e óculos com lentes quase tele-objetivas.
Ser nerd é conhecer, precocemente, a violência fulminante das paixões platônicas, antagônicas, irônicas. É amar idolatrando, e idolatrar se odiando. É se trancar dentro de si por medo de como o mundo irá tratar as suas dúvidas e inquietações. É afogar as mágoas com leituras, cultura inútil, super-heróis, Mario Bros e Magic the Gathering, e manter as companhias imaginárias para muito além da infância. É notar, em relações tão insensibilizadas, que o valor da sua preocupação com coisas declamadas mundanas pela voz burra do senso comum é inestimável. Ser nerd é odiar terminantemente as pessoas por ter exata consciência do que é uma entrega sincera e devota, mesmo sem ter vivenciado muita coisa além da calçada da sua rua.
Uma homenagem a Paulo Mendes Campos e Millôr Fernandes.
7 comentários:
Ser nerd é ter aparência de Kevin Arnold e alma de Paul Pfeiffer... Ficou muito bom o texto, Vi! Bjs.
Nem tenho o que falar, perfeito. E confesso que me identifiquei com algumas partes.
Seu texto é, em uma palavra, preciso. Precisão que pouca gente consegue alcançar num texto. Parabéns!
E valeu pelos parabéns =)
Haha...ser nerd é ficar nervosinho se a amiga não aprova seus textos! =P
Amei Vi!!!
Como sempre fo.. nos seus textos!!
Parabéns!
São poucas as pessoas que adimitem ser nerds, mas são muitas as que se indentificam com essa realidade,
Mesmo o mais descolado ja se deparou com "uma falta de geito" ou "perdigotos metidos a exploradores dos rostos alheios"
A vida é feita de farsas as vezes tão grandes que nos mesmo acreditamos nas coisas criadas élo nosso nerd.
Abraxx Vi!!!!
vini, gostei demais do texto. e olha acho que sou meio nerd mesmo. haha
alias, como a moça ali em cima, todo mundo deve ter se identificado com algo aí.
Como nerd convicto, tenho que afirmar vini, esse texto está do cara***, me indentifiquei demais, e talvez, pela impessoalidade da internet possa assumir sem medo que me emocionei com a realidade e verdade de suas palavras nesse texto, vc realmente sabe falar com as pessoas, parabéns vini e continue assim!!
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