terça-feira, 22 de julho de 2008

Ser nerd.

De Vinícius Noronha.

Ser nerd não é viver em uma graphic novel idealizada: é muito mais! Ser nerd é evitar expôr o sorriso com receio de que achem algum resíduo alimentar em seu aparelho fixo, e só deixar o maldito aparelho à mostra quando tiver acometido de crises de espirro irresistíveis. Ser nerd é pensar em como seria sua vida se fosse mais alto, mais forte, mais popular, mais mais, mas projetar o futuro por reconhecimentos que nada tem a ver com esses anseios fúteis. É se concentrar nas minúcias mais desapercebidas de cada coisa, e conquistar sempre pelo implícito, confiando em sua observação aguçada pra fazer a amada se sentir única. Aliás, ser nerd é fazer declarações dignas de inspirações Sheakesperianas, ainda que não ultrapassem três palavras. E ainda gaguejadas. E não obstante acrescidas de pigarros e perdigotos soltos como efeito do nervosismo.

É não usar palavra alguma de reclamação, e ainda assim abrir berreiros incontestáveis internamente. É passar um dia inteiro em frente ao computador e crer piamente que está regojizando a vida com maior proveito que os bocós entorpecidos de álcool e ficadas insignificantes. É ainda comemorar o novo download, e ter um colapso depressivo cada vez que o arquivo chegar corrompido e impossibilitado de execução. É encontrar referências em coisas que ninguém nunca ouviu falar. Ser nerd é dar uma gargalhada desengonçada, ao lado dos colegas, justificando que tal professor lembra muito o Steve Buscemi, pra ouvir, na sequência, o coro: "Hã?".

Ser nerd é despejar acidentalmente fluídos e secreções diversas, via oral ou nasal (ou mesmo por outras vias menos dignas de comentários), e assim divertir aos demais, pobres normais, que não sofrem dessas incontinências. É lamentar a normalidade que o cerca, com tantas pessoas plasticamente felizes que acreditam que suas vidas tem o valor da imagem que projetam. Ser nerd é saber que Linux não é nome de cachorro, é erguer um templo para Tolkien, é se alimentar de junk food como 80% da humanidade, mas ser o escolhido a dedo pela graça dos elfos para ter as espinhas mais grotescas.

É ainda ser nerd bisbilhotar em e-zines nomes de bandas e cineastas de países cujo PIB é menor que o do Estado de Mato Grosso, e compartilhá-los com os demais asseclas (quer dizer, não todos os nomes, pois ser nerd também é ter domínio sobre algo inédito que ninguém nunca iria se preocupar em descobrir se não for um dos mesmos, e todos, absolutamente todos os nerds, tem que ter sua moeda do Tio Patinhas). É ser fã incondicional de uns seis artistas e ignorar todos os demais (dos quais outrora também já foi fã), é ler a New Music Express pra falar mal, mas baixar todas as músicas citadas na revista, é achar a MTV a maior idiotice do mundo, mas secretamente assistir a todos os programas (pra coletar motivos sinceros que atestem sua ojeriza, claro), é criar gírias estranhas na internet e se divertir horrores com isso. É tornar o milk-shake um campeão de vendas e ainda é dar rios de dinheiro para a indústria farmacêutica.

Ser nerd é ter na casa seu reino, e no seu quarto, sua fortaleza. É usar sua aptidão aritmética como desculpa pra aproximação com colegas. É ser extremamente requisitado em provas e prestigiado em recuperações, como o cara que pode salvar a pele de todo mundo com suas anotações e colas. Ser nerd é, em dados momentos, roubar a atenção das garotas por uns poucos segundos, exalando sutilezas e olhares constantes, pétreos, tão sinceros quanto ingênuos, que logo vêm a fantasia se desmanchar quando a admiração delas se desvia pro garotão de porte atlético e mãos atrevidas, pra quem a vida é se servir de um farto banquete, enquanto, em sua sina, o nerd deve contentar-se com as sobras.

É tentar encontrar, em confissões bloguinianas, um alívio para as angústias que o assola. É choramingar pelos amigos escassos que possui, mas logo se encher de alegria por saber que aqueles poucos amigos são pra vida toda. É ser compreendido pelos iguais, e mesmo assim atirar o rótulo de "nerd" pra cima deles, nunca aceitando-o para si. Ser nerd é ter informações privilegiadas sobre tudo, e assim poder se contemplar com um pouquinho de poder e de orgulho, afogando a baixa estima, e crendo um tico mais ser o cara bacana que os únicos que o conhecem bem tanto proclamam.

Ser nerd é tropeçar no cadarço, quebrar dente na pia, colocar band-aid até no cabelo. É demorar 5 minutos pra falar uma palavra de três sílabas a alguém que nunca viu na vida. É calcular, milimetricamente, a forma mais eficiente de passar desapercebido pelos outros e assim não ter o seu mundinho invadido. E, ao mesmo tempo, é desejar ansiosa e desesperadamente que alguém invada o seu mundinho e descubra a pessoa dedicada, prestativa, sensível e muito engraçada que se esconde por aquela carcaça branquela-rósea e óculos com lentes quase tele-objetivas.

Ser nerd é conhecer, precocemente, a violência fulminante das paixões platônicas, antagônicas, irônicas. É amar idolatrando, e idolatrar se odiando. É se trancar dentro de si por medo de como o mundo irá tratar as suas dúvidas e inquietações. É afogar as mágoas com leituras, cultura inútil, super-heróis, Mario Bros e Magic the Gathering, e manter as companhias imaginárias para muito além da infância. É notar, em relações tão insensibilizadas, que o valor da sua preocupação com coisas declamadas mundanas pela voz burra do senso comum é inestimável. Ser nerd é odiar terminantemente as pessoas por ter exata consciência do que é uma entrega sincera e devota, mesmo sem ter vivenciado muita coisa além da calçada da sua rua.


Uma homenagem a Paulo Mendes Campos e Millôr Fernandes.

7 comentários:

Heloísa Noronha disse...

Ser nerd é ter aparência de Kevin Arnold e alma de Paul Pfeiffer... Ficou muito bom o texto, Vi! Bjs.

Adriana disse...

Nem tenho o que falar, perfeito. E confesso que me identifiquei com algumas partes.

Grilo disse...

Seu texto é, em uma palavra, preciso. Precisão que pouca gente consegue alcançar num texto. Parabéns!

E valeu pelos parabéns =)

Unknown disse...

Haha...ser nerd é ficar nervosinho se a amiga não aprova seus textos! =P
Amei Vi!!!
Como sempre fo.. nos seus textos!!
Parabéns!

Rodrigo Freitas disse...

São poucas as pessoas que adimitem ser nerds, mas são muitas as que se indentificam com essa realidade,

Mesmo o mais descolado ja se deparou com "uma falta de geito" ou "perdigotos metidos a exploradores dos rostos alheios"

A vida é feita de farsas as vezes tão grandes que nos mesmo acreditamos nas coisas criadas élo nosso nerd.

Abraxx Vi!!!!

Cri disse...

vini, gostei demais do texto. e olha acho que sou meio nerd mesmo. haha
alias, como a moça ali em cima, todo mundo deve ter se identificado com algo aí.

Costalonga disse...

Como nerd convicto, tenho que afirmar vini, esse texto está do cara***, me indentifiquei demais, e talvez, pela impessoalidade da internet possa assumir sem medo que me emocionei com a realidade e verdade de suas palavras nesse texto, vc realmente sabe falar com as pessoas, parabéns vini e continue assim!!