De Adriana Hernandes.
Ele resolveu bater um papo com a vida, isso aí, com a vida. Estava à toa nela mesmo, e como não tinha um amor a chamá-lo pra ver a banda passar, decidiu ter dois dedos de prosa, coisa rápida, com essa nem tão velha conhecida.
Sentou no banco da varanda de casa. A vida ficou parada em sua frente. Não conseguia descrever sua forma com exatidão. Via um misto de momentos que havia passado, sentimentos diversos que o acompanharam sempre, ações perpetuadas com sucesso, outras que fracassaram, e mais umas tantas que deixara de cumprir. Não quis entender o contorno que a vida tinha, decidiu aceitá-la como ela era.
Pra começo de conversa resolveu perguntar por que, ultimamente, ela se mostrava tão complicada. Esperava uma reposta linear, direção reta. Mas a vida é cheia de artimanhas. E sem sair de sua frente, conseguia sussurrar as frases ao pé de seu ouvido, de forma que somente ele pudesse escutar, de antemão o alertou: “quando o assunto é nossa vida, o melhor caminho é a discrição”.
Disse-lhe que nunca, em nenhum momento, fora complicada, pelo contrário, ela era mais simples do que se imaginava. Explicou que as dificuldades que recaiam sobre ela eram conseqüência da forma como nós, seus donos, a conduzíamos. Mas que todo mundo sempre acha mais fácil jogar o fardo no seu colo do que carregá-lo com as próprias mãos. Surpreendeu-se com tal réplica, ele esperava uma solução. Concluiu que a vida costuma dizer o que quer e não o que queremos ouvir.
Mas não era só isso que intrigava aquela mente inquieta. Ele queria entender – ou pelo menos tentar - porque se sentia diferente de todos, esparso do mundo, como se não fizesse parte de nenhum universo. A vida respondeu que ser diferente era ótimo, que parte de sua graça estava em não ser igual aos outros, não seguir normas físicas, nem comportamentais, tão pouco racionais, e ainda exemplificou: “Experimente pôr um girassol em meio a um roseiral. A diferença também é atrativa”. “A vida é direta, mas não perde a ternura”- pensou o moço.
Os dois dedos de prosa que mais pareciam um questionário se estenderam pela tarde inteira. Divagou sobre tudo, coitado, chegou a se revoltar, quase levantou a voz. Mas a vida não se abateu, continuou firme e forte diante dele, recebendo aquele bombardeio de “por quês”. Alguns ela respondia, outros não. Ela era uma vida jovem, e certas repostas só se obtêm com a amiga experiência. Não tinha jeito, ele teria que esperar.
Já no fim da conversa, perguntou como deveria agir pra que ela fizesse algum sentido. A vida informou que não era necessário caçar um sentido por aí, como se fosse um tesouro. Ele aparece de forma espontânea, em ocasiões especiais, onde menos se espera. Poderia ficar despreocupado, na hora em que ela fizesse sentido, ele perceberia sem nenhuma dificuldade.
Resolveu dar aquela história por encerrada, acreditara que estava mais confuso agora, do que no começo do papo. Entrou em casa e foi direto pro seu quarto, buscou uma toalha, ganhou o corredor a caminho do banheiro. No meio do trajeto deu de cara com sua mãe que, limpando as mãos no avental, disse: “Menino, ande logo com esse banho que a janta tá quase pronta. Fiz aquele arroz de forno com bastante parmesão, do jeitinho que você gosta.”
O rapaz pôs a toalha em volta do pescoço, segurou o rosto da mãe delicadamente com as duas mãos, deu-lhe um beijo em sua testa e entrou no banheiro, rindo.
A mãe não entendeu nada. Ele sim.
3 comentários:
Maravilhoso! A minha vida te mandou um recado: "agradece a Adriana por postar lá no Coisetal, porque ela me explica muita coisa de um jeito que eu nunca achava que fosse entender".
Olha que luxo: temos quintas filosóficas! =)
Adorei, principalmente a metáfora do girassol no roseiral. Bem lindo de ler, gostei muito.
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