sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O saco dos outros.

De Heloísa Noronha.

Existem defeitos que considero toleráveis. A própria intolerância, por exemplo. Onde é que está escrito que a gente deve gostar de tudo e suportar qualquer coisa? Ninguém é obrigado a isso, certo? Mas, veja bem, não estou falando de ser preconceituoso. Isso é beeem diferente. Falta de organização, chatice, estupidez e burrice têm, dependendo do(a) dono(a), uma certa dose de charme. Há um defeito, porém, que acho o pior de todos, o cúmulo, o fim da cadeia alimentar MESMO: puxasaquismo. Ser pobre de espírito, ok; ser chato(a), ok; ser feio(a), ok... Mas ser puxa saco é cafona, brega, caipira, e ainda indica um caráter duvidoso, de uma pessoa pouco confiável.
Como um dos meus defeitos é a extrema falta de tolerância (e, por conseqüência, de paciência), imaginem a tortura que é conviver com gente assim. O ambiente de trabalho é o lugar preferido para esses tipos se proliferarem. Como trabalho há quase 20 anos, calculem a quantidade de baba ovos que eu já conheci. Em alguns momentos da minha carreira, confesso que já questionei se devia ou não me esforçar um pouquinho para me inspirar nesses seres e também me tornar uma puxa saco. Isso porque, à primeira vista, o puxa saco sempre passa a imagem de um funcionário bem-sucedido, não é mesmo? Afinal, como um chefe poderia não tratar bem alguém que está sempre ali, a postos para paparicá-lo? Que MBA ou pós-graduação que nada! A subserviência, em muitos casos, é o caminho mais rápido para conquistar um aumento de salário ou um cargo mais alto. E os leitores machos que me perdoem, mas as mulheres são insuperáveis no quesito puxasaquismo. Como o sexo feminino já é dotado de um sexto sentido básico e uma sensibilidade nata para captar as necessidades alheias, muitas se aproveitam disso para agradar a chefia justamente em seus pontos mais fracos: tecendo um elogio certeiro, fazendo um comentário espirituoso, oferecendo o ombro para desabafos pessoais... Além disso, existe o típico poder de sedução feminino. Nem estou falando de cama ou teste do sofá, a sedução, aqui, passa pelas palavras, pelas sutilezas do dia-a-dia, pelas aparências.
Enfim, várias vezes me perguntei se devia apelar para esses subterfúgios para me dar bem – e a resposta sempre foi não. Mesmo se quisesse, acho que nem conseguiria. Tenho personalidade e estômago de sobra para me rebaixar e apelar para fingimentos e falsidades. Jamais bajularia uma pessoa que considero babaca e incompetente para conseguir subir na vida. E aos bons profissionais que conheci, preferi dedicar algo que considero muito valioso: minha observação. Já atravessei as mais diversas fases na minha carreira, já estive bem, já estive mal, já chefiei, já fui subordinada. E em toda essa trajetória, sempre fui eu mesma, e tudo o que tenho ou tive, foi mérito meu. Por mais competente que o puxa saco seja, lamber as botas alheias soa como uma atitude desesperada, de quem precisa se escorar em alguém para sobreviver. Deve consumir uma energia desgraçada perder tempo ensaiando que elogio fazer, que idéia mirabolante apresentar, que sorrisinho falso mostrar... E isso tudo, é claro, sem que o resto da equipe perceba – todo puxa saco é meio ingênuo, pois acredita piamente que ninguém repara na palhaçada que ele faz. Pior: se esquece de que emprego nenhum no mundo oferece garantias de ser eterno. Ou seja, todo o esforço desse tipo de gente pode dar... em nada. Mesmo porque, muitos chefes se aproveitam da bajulação apenas enquanto ela é conveniente. O problema é que superiores vaidosos também só enxergam o que é conveniente, subestimando funcionários realmente competentes, bons, aplicados, inteligentes – que, mais cedo ou mais tarde, podem levar suas qualidades para outra empresa.Para finalizar, pensei bem e cheguei à conclusão de que já puxei muito o saco de alguém, sim: o MEU. E continuo puxando. Quando me sinto desestimulada, é para mim mesma que digo: “Calma, Helô. Você é capaz, está apenas atravessando uma fase ruim. Vai dar tudo certo!”. Ou, quando faço algo de que me orgulho: “Parabéns! Ótima idéia!”. E também “Não desanime...”, “Esfria a cabeça!”, “Tenha paciência!”, “Você sabe o seu valor..”, etc. Para onde quero ir, só eu mesma posso me levar. E quero ir sozinha, por mérito meu, não de carona pendurada no saco de alguém.

8 comentários:

Vini Noronha disse...

Vou ser muito puxa-saco se dizer que adorei mais uma vez e me diverti à beça com suas observações revoltadas?

Heloísa Noronha disse...

Mas não era para ser divertido... E sim edificante!!

Vini Noronha disse...

É verdade, o puxasaquismo foi incompleto... Mas ele edificou-me muito também. Divertiu e edificou, ou seja, foi "o" texto. Você tem muito talento, sabia? Muito mesmo, demais, nossa, uhúúúlll!!!

Christina Santos disse...

Não há nada mais divertido do que ver a queda de um puxa saco!
Atoooooooooooron!

Grilo disse...

Tô com medo de comentar =S

Veridiana Mercatelli disse...

Se eu disser que gostei você vai me chamar de puxa-saco ou vomitar no meu pé? Meda... :D

Heloísa Noronha disse...

Ai, genteeeee... Vocês são, tipo assim, tão legais, maravilhosos, gentis... E que roupa é essa, hein???!! Luxooooooooo!!

(...) Ariel disse...

ok. Devo dizer que atravessei fases de boas gargalhadas, outras de certa reflexão, confesso.
e gosto disso, de textos dinâmicos que fazem com que a gente entre em contato com ele de uma forma bem bacana.
quanto à isso:
'Ser pobre de espírito, ok; ser chato(a), ok; ser feio(a), ok... Mas ser puxa saco é cafona, brega, caipira, e ainda indica um caráter duvidoso, de uma pessoa pouco confiável.'
concordo to-tal-men-te.
Mas o que mais me interessou nisso tudo foi a segurança que eu senti lendo as últimas palavras pra encerrar o texto. Me fez lembrar que eu tbm posso me levar para onde eu quero ir, e nesse momento, me fez bem ser lembrada disso :)