terça-feira, 14 de outubro de 2008

Passeios.

Por Vinícius Noronha.


Assim que cruzávamos a esquina, eu tentava ir o mais rápido possível. Tenho certeza que, se pudesse, você se jogaria do carro como um protesto à violação da sua regra, mas devido as circunstâncias, o máximo de atitude perceptível acabava sendo um olhar repleto de lâminas.

Eu não temia, mas sentia. Engraçado é que continuava acelerando, sem hesitar, em semáforos amarelos e placas de "dê a preferência". O rádio tocava uma música que ambos odiávamos, mas deixávamos, afinal pelo menos a apreensão ganhava alvo, artilharia e desculpas. Qual era a desculpa mesmo? A jornada não permitia explicação, e preferimos esvaziar as pressões com o alívio imediato do silêncio.

Permanecemos em companhia desse silêncio, respeitando a barreira invisível que colocávamos entre nossos interesses, entre nossas gerações. O que eu não compreendia era que...

- Vai mais devagar, pra quê tanta pressa?

Ops, a fortaleza ruiu. Tudo passava a configurar um jogo de orgulho e de imposição a uma situação que, naquele instante, transcendia a vida. Porque era sempre assim: eu tinha, por ordens, por afeição, ou pela putaqueopariu, que ir mais devagar. Entre as escolhas equivocadas e a procura indiferente de uma urgência, a lição me era imposta como um versículo bíblico. Me acostumei com a vagareza, e bloqueei dentro de mim tudo o que era velocidade. Tudo pra que os pratos se mantivessem sobre a mesa, a roupa no cabide, e a paz no nosso mundinho.

Era sempre assim. Era sempre. Mas por algum mecanismo que nunca decifrei, eu acendia a inquietude de velocidade no meio da nossa inanição. Convertia a obediência à necessidade do grito de alerta, mas principalmente à mesma força que me fazia, de algum modo, não atrapalhar a tua (nossa?) estabilidade.

No carro, na rota, na sina profética de todo bom-dia, eu percebi que éramos quase felizes. Eu podia acelerar em algum momento do percurso, você tolerava até algum ponto em que notava, de sopetão, que se continuasse sem voz, muitas coisas poderiam não ser mais as mesmas. E me fazia diminuir o ritmo. No silêncio, essa batalha contra e a favor do tempo ditava a nossa harmonia, exigia a nossa reconciliação. Controlávamos nossos impulsos e, por fim, comíamos em porcelanas fartas, dormíamos na cama mais confortável, e rezávamos para que, no dia seguinte, pudéssemos ter forças para não dizer para o outro aquilo que, a cada passeio, criava lágrimas em nossas gargantas.

E, ao estacionar o carro, eu chegava à conclusão de que devia chamar tudo isso de amor.

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