sábado, 11 de outubro de 2008

Mau humor.

Por Felipe Grilo

Aviso: se você quiser continuar com o espírito de infância para o Dia das Crianças, pule este texto e seja feliz. Mas se você é uma criança resmungona igual a mim, não diga que não avisei.

***

O inferno está cheio de pessoas bem-humoradas. Acho que mandei boa parte delas para lá. E não me arrependo nem rezo por elas: continuo achando que faço um favor varrendo deste mapa pessoas felizes.

Porque pessoas felizes são chatas. E fazem do meu distrito um celeiro que fede a perfume de melancia. É risinho pra lá, bobeirinha pra cá, abracinho e nhac-nhac nas bochechas das crianças. Isso é chato quando você se torna um completo imbecil, burro e alienado. Nunca dê uma tarefa importante para uma pessoa de bom humor fazer, que ela vai fazer nas coxas. Peça para quem já está com o saco no pé que terminará melhor e mais depressa.

Além do mais, pessoas felizes são suspeitas. Você confiaria em pessoas que mostram que sua vida é maravilhosa, como num seriado americano no qual todos os problemas se resolvem com piadinhas? Aquelas mesmas que escrevem frases de auto-ajuda de autoria própria e dizem que é de Buda? Que mandam corrente por e-mail com desejo de sorte? Ou que, paradoxalmente, com sua grande experiência na arte do bem-viver, não deixam você em paz até conseguirem deixar você em paz?

Eu acho mesmo é que o mundo é bem mais lúcido em tons de cinza. Por experiência própria, fico bem mais engraçado quando estou de mau humor. Eu não sou engraçado? Ótimo que você concorda. É um hábito saudável concordar com alguém de mau humor. Dito isso, conclui-se que pessoas neste estado de espírito estão sempre com razão e, portanto, são mais lúcidas.

Ou pelo menos tornam a escrotidão humana um ponto ao seu favor em qualquer discussão. E posso afirmar com absoluta certeza: só um tiro na testa é tão convincente quanto a escrotidão para explicar o mundo como ele é.

Pessoas de mau humor são mais realistas. Fato. Perdem menos tempo colorindo a vida, tentando achar o lado positivo das coisas e dourando as pílulas. Elas preferem preto no branco, não usam pontos de vista para se consolar e tomam as pílulas receitadas pelo psiquiatra.

Pessoas de mau humor são saudáveis de dar inveja. Não sentem necessidade de se afrescalharem com a brisa da primavera ou tomarem banho de chuva de verão, portanto, não pegam gripe ou pneumonia. E olha que conveniente: pessoas mal humoradas adoram ir ao médico para se consultar. Afinal, se forem parar no clínico geral num domingo à noite, vão ter de quem reclamar: médicos de plantão estão sempre de mau humor.

Em contrapartida, todo bem humorado que se preze deixa de fazer consulta por medo de "descobrir doença" nos exames. Daí morre, já que não é médico (de final de domingo) para suspeitar que precise de tratamento. Com a seleção natural, dá lugar aos verdadeiros sobreviventes e merecedores de perpetuarem a espécie humana: os rabugentos. Darwin que o diga.

Saudável não apenas no fisiológico, mas também na psique. A razão se explica também pela lei de Murphy: apesar de todos dizerem que vaso ruim não quebra, o mal humorado sabe que o vaso SÓ poderia quebrar na mão DELE. Quando quebra (porque quebra, mesmo), a pessoa fica ainda mais mal humorada, suportando privações de serotonina e endorfina cada vez maiores. Os felizes se suicidam inexplicavelmente, enquanto os ranzinzas nunca, jamais, perdem a fé no sentido da vida: as coisas vão piorar.

Pessoas mal humoradas ainda possuem uma vida emocional muito bem esclarecida. Não dizem "te amo" como se fosse bom dia (logo, não banalizam o afeto), não discutem a relação, não sofrem de platonismo e mandam você se foder sem o menor pesar. Chorar é uma opção, mas mandar para o inferno deixa o espírito mais leve de maneira muito mais divertida. E como disse um sábio rancoroso que conheci: "o meu coração é OCO. Não tem bombom de licor dentro."

Pode parecer que não, mas pessoas mal humoradas se divertem, sim! Além de ser vital rir da própria desgraça, elas têm muito mais com que se divertir: a desgraça alheia. Muito mais do que a Disneylândia oferece, e de graça.

Você já mandou alguém para o inferno hoje?

5 comentários:

Anônimo disse...

É Grilão, concordo com você...eu sempre carrego essa pulga atrás da orelha, de desconfiar de pessoas muito felizes, algo muito sinistro se esconde ali.

Anônimo disse...

Simplesmente perfeito!

Gosto de ver esse lado cinza dos seus textos.

Tava com saudade de ouvir esse humor cáustico seu.Que aliás, sempre me renderam as melhores risadas.

=*

Catarina Herrera disse...

HAUHAUHAUAHUAH Eu também odeio pessoas felizes demais porque elas trabalham muito porcamente (e trabalho vem sempre em 1° lugar né?). Adorei o texto Grilinho (mesmo provavelmente não sendo um dos seus objetivos, espero que venha a calhar pra algumas pessoas hehehe) beijos!

Unknown disse...

Putz... não vou dizer que serei menos feliz depois deste texto, mas aproveitarei mais meus momentos de mau humor, certeza que serão muito produtivos!

Abraço enorme Grilo!!!

Fernando A. Medeiros disse...

Ai meus sais minerais!

De fato aqui você abusou de niilismo, mas de um humor gracioso. Dessa crônica pode sair a bíblia dos ranzinzas, o diário de uma Minnie Ranheta.

Leia "O Apanhador no Campo de Centeio", de J. D. Salinger. Holden Caulfield é um ranzinza interessantíssimo. Enxerguei ele em seu belo texto.