terça-feira, 7 de outubro de 2008

Mudaram as estações e nada mudou. (parte 1)

Por Sergio Faria.

Quando a Legião Urbana lançou seu primeiro disco em 1985, a febre do momento era o Rock in Rio I. O disco passou meio batido por causa desse festival mas um carinha da minha turma comprou a bolacha e antes que Será começasse a tocar nas rádios eu, que já tinha caído de boca no som do Lulu Santos, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho, fiquei conhecendo todo o disco. Na verdade, antes mesmo do lançamento eu já tinha ouvido algum material dos caras. Na época eu só ouvia a rádio Fluminense FM. Essa rádio era alternativa e surgiu junto com o boom de bandas brasileiras. Era a única que abria espaço pros artistas do underground e por lá sempre rolavam gravações demos. Foi lá que ouvi pela primeira vez Ira!, Capital Inicial, Plebe Rude, Violeta de Outono, entre outros. E foi assim com a Legião. Ao examinar a capa daquele disco, estranhei o fato de não conter nenhuma foto do grupo. E no encarte preto e branco, somente com desenhos egípcios, estavam as letras que me chamaram a atenção pela temática e pela riqueza. Nunca tinha lido nada parecido. Ouvindo o disco, eu e meus amigos fomos incorporando aquelas músicas que, mesmo sem uma sonoridade pop, grudavam nas nossas cabeças. Me surpreendi muito com a última faixa: com praticamente todas as canções cruas e abusando de guitarras, o disco termina com uma música cheia de teclados e com bateria eletrônica. A música era Por Enquanto (mais tarde popularizada por uma tal de Cássia Eller!). Depois de ouvir essa faixa, perdi um pouco do preconceito que eu tinha com tecladeiras no rock. A possibilidade de assistir ao grupo num espaço pequeno onde se pudesse ficar colado no palco acabou quando o segundo disco saiu. Pirei com aquelas canções e letras que me instigavam a ler. Fui atrás e descobri que Baader-Meinhof, musica do primeiro disco, era uma organização terrorista alemã, que Andrea Doria na verdade era o nome de um transatlântico italiano que naufragou em 1956 e não o da musa inspiradora daqueles versos. Aprendi com Eduardo e Mônica que a gente podia falar de amor sem ser piegas e que pessoas bem diferentes poderiam dar certo. Essas e outras eu cantava e tocava no violão, com a emoção e a expectativa de que um dia eu também poderia viver aquilo. Naquele período as letras me ajudaram muito a segurar a barra pesada com minhas crises existenciais ou com minha família de doidos, totalmente desestruturada. Grilos e mais grilos. Quando a depressão tomava conta eu me apoiava nas letras e nos discursos do Renato. Em alguns shows gravados em fitas k7, eu ouvia frases como "eu vou conseguir", "a amizade é o mais importante" ou "mesmo que tudo pareça perdido tenho certeza que existe alguém que vai querer te ajudar" . Bradadas em alto som entre uma música e outra, essas palavras de ordem faziam minha cabeça, me fortaleciam e eram a minha droga. Elas me confortavam e me davam esperança. E assim minha idolatria por essa espécie de "irmão mais velho" foi ficando maior. Eu começava a tocar violão e acabei montando uma banda com minha patota. Com ela executávamos covers de Ira!, Paralamas, Plebe e Legião. Assim, antes do terceiro disco sair, já era familiar pra todos nós o hino Que País É Este? que tiramos de uma daquelas fitas piratas. Dessas fitas tirei também a quilométrica Faroeste Caboclo. Ninguém entendeu nada na minha rua quando apareci com aqueles 159 versos na ponta da língua e todos os acordes da música na ponta dos dedos antes mesmo dela chegar ao grande público. Como grande fã que era, eu procurava e devorava qualquer texto que falasse da banda ou do poeta. Infelizmente eram raras as aparições na TV. A MTV ainda não estava no ar. Participaram de alguns programas globais como o famigerado Globo de Ouro que colocou Faroeste Caboclo em primeiro lugar e deixou o grupo tocar ao vivo (era sempre playback) desde que omitissem o "filha da puta" da letra, um especial com o Paralamas ou o "romântico" Chico & Caetano. Era uma festa, um grande evento pra gente e até matéria especial em revistas de música. No Fantástico, só apareceram naquele fatídico episódio em que num show em Brasília, um maluquete subiu no palco, pulou nas costas do Renato e tentou enforcá-lo. A carência de imagens era suprida com as revistas. A maior delas eu colecionava: a revista Bizz, única no mercado que acompanhava bem todo o movimento do rock tupiniquim, eu dissecava. Mas o melhor estava por vir. Em meados de 89, recebi um convite de um amigo e resolvi me mudar pra São Paulo por causa dos conflitos em casa, da falta de oportunidade profissional e da violência da "cidade maravilhosa". Marquei viagem pro dia 19 de junho. No dia anterior fui resolver alguns assuntos e me despedir de uma amiga no centro do Rio. Assim que cheguei ao centro, comprei uma edição da revista Bizz que publicava a terceira parte da biografia da Legião. Não abri porque queria ler com calma dentro do ônibus na volta pra casa. Resolvidas as últimas pendengas, sigo eu pela avenida Rio Branco (a avenida paulista do Rio) em direção ao trabalho da tal moça quando, próximo a Cinelândia, avisto um sujeito muito branco vindo em minha direção que me chama a atenção pela semelhança com o Renato. Ao se aproximar, olho pro sujeito novamente e...ai meu Deus!! Era o próprio!!! Meio assustado e sem saber o que fazer minha única reação a princípio foi, num reflexo, balançar a cabeça pra ele. Como vinha caminhando distraído, ele se surpreendeu com o meu cumprimento e somente levantou a sombrancelha timidamente. Parei e olhei pra trás. Aquilo era um sonho! O meu maior ídolo, uma celebridade, ao vivo e a cores ali na minha frente seguia tranquilo sem ser reconhecido por ninguém!? Eu que detestava tietagem fiquei me perguntando se não deveria abordá-lo, afinal de contas aquele cara ali indo embora era o meu maior guru. Ele atravessou uma rua, parou em frente ao vidro fumê de uma agência do Banco do Brasil e começou a ajeitar o seu cabelo. Era um corte muito feio com uns fiapos de topete caindo na testa e aparado com máquina dois nas laterais. Usava uma calça de couro preta e carregava debaixo do braço direito três livros grossos, tipo enciclopédia. Com o coração disparado resolvi falar com ele. Antes de terminar sua ajeitada no pêlo, me aproximei. "Oi Renato!" disse com minha mão estendida tentando esconder meu nervosismo. "Sou super fã da banda!". Ele, que certamente lembrou que eu acabara de passar por ele, ficou meio sem jeito, trocou os livros de braço, apertou a minha mão e soltou um "oi" tímido. Estava sério e ressabiado. Me esforcei ao máximo pra passar naturalidade, fingi que estava indo na mesma direção que ele (como assim?) e puxei conversa. "Poxa, o disco novo tá demorando pra caramba pra sair, hein!? O que é que houve?" perguntei me referindo ao que seria o "Quatro Estações". Ele respondeu: "Sabe o que é? É que e tô com muitas dificuldades com as letras e também tem o lance do Billy ter saído!" (Billy ou Renato Rocha foi o baixista dos três primeiros discos e que só depois de muitos anos ficamos sabendo que foi dispensado da banda por causa da sua piração com o uso de drogas). Seguiu ele: "Na verdade voltamos as nossas origens agora. No início da banda éramos só nós três: eu, o Dado e o Bonfá..." tentava ele me explicar, talvez me achando um leigo ou um fã de FM pela minha aparência, pelas roupas que eu trajava: calça jeans nova, camisa gola polo e sapatinho de camurça dokside somados a uma carinha de baby johnson com cabelinho curto e bem penteado (Putz! Juro que só me vesti daquele jeito porque fui me encontrar com aquela menina. Que merda!). Aquelas explicações me incomodaram um pouco e imediatamente o interrompi: "Eu sei, eu sei! Conheço toda história da banda!". (continua...)

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