Por Heloísa Noronha.
Já fiz todas as perguntas, ouvi algumas respostas, continuo com algumas pendências. Já perdi ilusões, mas ganhei novas esperanças. Fiquei de mal com Deus, reneguei o céu, fui até o inferno e voltei com a fé mais inabalável do que nunca. Já fiz promessas que suei para cumprir e outras que quebrei sem dó. Já disse palavras que me arrependi, já ouvi coisas que não merecia. Já ofendi, mas já perdoei muito. Estudei, esqueci o que não me interessava e guardei com carinho aquilo que valia a pena me acompanhar pela vida afora. Descobri o amor, encarei a raiva, senti ciúmes, me roí de inveja. Tombei, sacudi, levantei. Sofri perdas irrecuperáveis, ganhei quando nem esperava mais nada. Já vi as luzes douradas de Paris, tourada em Madri, as pedras de Barcelona, a pompa do Vaticano, as ruínas de Roma, as águas de Veneza e as colunas brancas de Atenas. Já vi, nos olhos alheios, falsidade, humildade, escárnio, pureza, alegria, cansaço, decepção, vitória. Já me dei por derrotada, já venci barreiras. Dei a volta por cima, tropecei, me contentei com pouco e aceitei o que não podia mudar. Já modifiquei o que achava errado, já fiz a diferença, já me achei. Me escondi, me acovardei, dei risadas e chorei. Já me envergonhei, me intimidei. Esqueci, lembrei, fiz de conta que não era comigo. Fui loira, morena, ruiva, crespa e curta. Tentei ser esotérica, séria, revoltada de butique. Encontrei a rebeldia não no espelho, mas dentro do coração. Já fui implacável, preconceituosa, histérica e omissa. Me tornei sincera, corajosa, tolerante e irônica. Causei felicidade e dor. Filha, irmã, aluna, mulher, amante, esposa, amiga, inimiga, operária, jornalista, cigarra, formiga, rainha, atriz e personagem. Já fui e sou tantas e várias, aprendi tudo e não sei nada. Nada mais sei diante da beleza das mãozinhas e dos pezinhos que vi ontem, embaçados e inquietos, numa tela de ultra-som. Me curvo diante da garotinha que está dentro da minha barriga, de quem nem conheço o rosto ou a voz, mas por quem já sou apaixonada com toda a força de que sou capaz. Vou começar tudo de novo, porque tudo, agora, de nada adianta. Já era.
3 comentários:
E são em momentos como esse, no finalzinho do texto, que a gente percebe que a vida faz sentido e vale a pena.
Um ótimo recomeço, Heloísa!
Se ao olhar o ultra-som a Heloísa sente que está reaprendendo a viver, imagine quando chegarem os conflitos de geração =)
Parabéns, Helô! Pelo texto e por esta fase da sua vida!
caraca que texto animal!
parabéns. como pai do theo sei exatamente o que vc sentiu.
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