quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Mero detalhe.

Por Adriana Hernandes.


Como era de costume, os três se encontravam num bar para o almoço. Já no fim da refeição, em meio a pratos com restos de bifes e batatas fritas e copos vazios, a conversa marchava:

- Hoje, a caminho do trabalho, teve um acidente lá naquele cruzamento. O motorista pegou um motoboy em cheio.

- Viche, aquele cruzamento é uma droga mesmo, muito mal sinalizado. Deveria ter um guardinha permanente lá, pra ajudar.

- E você não sabe da maior. No meio da algazarra toda, os dois carros que vinham atrás não conseguiram frear e bateram também. Engavetou tudo. O do meio, um Fusca, virou uma sanfona. E foi sorte do motorista, que só ganhou uns arranhões.

- Pombas, vai tá russo passar por lá hoje, hein?

- Apareceu perícia?

- Nem me fale, vou fazer desvio. Enquanto eu tava lá olhando, chegou seguradora do primeiro carro. Mas me deu dó mesmo foi do fusquinha. Pô, todo conservado, ajeitadinho, dava até gosto.

- Ah, mas essas seguradoras de hoje em dia não garantem nada não, viu? Lembra aquele caso do meu conhecido que te falei? A empresa tá enrolando ele há mais de dois anos. Dão desculpa que, pra aquele caso, eles não podem se responsabilizar.

- Esse povo de seguro não presta! Eles são amiguinhos enquanto não precisamos dele. Mas é só acontecer alguma coisa que surgem umas mil cláusulas novas no contrato. E tome desculpa e embromação.

- É o que eu falo, seguradora é tudo máfia!! Só querem saber do nosso dinheiro!! Gente assim não tem coração, só pensam no próprio umbigo, meu chapa. Eles querem é lucrar. Esses magnatas não gostam de gente, não. É tudo máfia.

- Se valem nada ou não, eu não sei. Só sei que hoje eu não passo por lá. Mas vamos indo que já deu a hora.

- Psiu!! Ô campeão, a notinha faz o favor. Não estamos esquecendo nada, né?

Levantaram e saíram. Um assoviando, o outro palitando os dentes e o terceiro, arrumando a gravata, ainda pensando se não tinham esquecido de nada.

Lembraram de quase tudo, de maldizer as seguradoras, de ter pena do fusquinha, de palitar os dentes, de assoviar e de dar gorjeta ao garçom. Só não lembraram do motoboy pego em cheio, mas isso era um mero detalhe.

2 comentários:

Daniel Ramos disse...

uau...forte o texto...gostei bastante

Grilo disse...

Pooorra! muito bom!