segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Ao mestre, com carinho.

De Sergio Faria.

Cada dia que passa me convenço mais de que sou um péssimo professor de música. Não pelos meus alunos não desenvolverem no seu instrumento por culpa de uma didática fraca. Não é isso que acontece. O problema é que, na maioria das vezes, criamos um vínculo e as aulas passam a ser um delicioso bate papo ou uma troca de confidências que deixaria muita comadre com inveja. Talvez por eu ser um cara desencanado, que fala pelos cotovelos (e muitas vezes acaba sendo inconveniente ou indiscreto), que se expõe de uma forma que a maioria das pessoas evita pelo pudor ou falta de confiança, eu consiga cativar esse povo e arrancar deles coisas que acredito que não compartilhem nem com os pais ou cônjuges. É verdade! Já ouvi cada coisa, de me deixar até sem graça. É claro que eu disfarço e assim a figura fica a vontade e continua contando os seus podres. Mas o que gosto mesmo, independente da idade ou gosto musical, é daquelas pessoas transparentes, autênticas, tranquilas, sensíveis... Me interesso por elas, pelas suas vidas, e muitas delas percebem isso. E quando isso acontece, viram amigas mesmo. Muitos alunos que passaram por aqui não perdem contato. Ligam no meu aniversário, no natal, no ano novo... É muito gostoso. Já tive que aturar muitos pentelhos e esquisitões mas felizmente a maioria é gente boa. Algumas pessoas brincam comigo dizendo que eu tô mais pra psicólogo do que pra professor de música. Talvez eles tenham razão. Lendo um artigo sobre educação num dias desses, conclui que o meu modo de ser e trabalhar é "o que há" e vai de encontro com as idéias do psicólogo Carl Rogers, grande pensador citado no tal artigo. Esse norte-americano desenvolveu uma teoria de que o papel do professor se assemelha ao do terapeuta, e o do aluno, ao do cliente, ou seja, um professor que se comporta como um terapeuta facilita o processo de aprendizado por deixar o aluno a vontade pra aprender do jeito que quiser. Talvez isso explique o êxito que tenho com aqueles alunos que querem aprender: mesmo sem ser um professor conservador e "sargentão", mesmo com todo meu desleixo em aulas que às vezes mais parecem conversas de botequim onde putaria é o assunto principal, a rapaziada consegue me surpreender ao tocar bem mais do que eu havia passado. Funciona. Mas tem momentos que fico sem jeito e acho que não tô sendo profissional. O aluno se empolga com o papo e eu tenho que interromper pra lhe passar alguma coisa. Alguns não cobram as lições e outros nem querem. Preferem ouvir meu ponto de vista sobre um determinado assunto, desabafar contando os seus problemas ou me pedir conselhos! É um barato! E como ainda resta dentro de mim um pouquinho daquela coisa adolescente de querer mudar o mundo (ou pelo menos a vida do vizinho), eu acabo me envolvendo. Rolam vários sentimentos: respeito, angústia, carinho, preocupação, mágoa, tristeza e até paixão. Nessa brincadeira até já me apaixonei. Mas nesse caso, como a coisa só pode ficar na teoria (prática só no instrumento), nessas horas quem se fode é o titio aqui que fica malzão e não tem um irmão mais velho ou um professor metido a psicólogo pra conversar, chorar as pitangas e pedir ajuda. Sobra pra quem? Pra outros alunos, ora bolas.

4 comentários:

Vini Noronha disse...

Sergio = Prof. Helena, do Carrossel.

haha brinks, continue com seu diário semanal (uma contradição em termos?) que tá bem legal.

Grilo disse...

Que isso, os melhores professores que já tivem não tinham grade disciplinar definida.
Lembro de um queridíssimo professor de física que me ensinou sobre Deus, e um incrível professor de história da arte que manjava me ensinou algo sobre ser humano.

Adriana disse...

O texto do Sérgio me fez lembrar o meu antigo professor de informática.Como minha turma era a última que ele dava aula, nós ficávamos horas a fio conversando no laboratório, viramos confidentes um do outro.
Não aprendi droga nenhuma de Excel, mas ganhei um amigo de verdade.

Grilo disse...

Aah, putz... lembrei do meu professor de escalada esportiva. Batíamos papo normalmente nas aulas, mas foi numa situação bastante crítica em minha vida que ele me ensinou algo que, hoje, é meu edifício interno.