sábado, 2 de agosto de 2008

Contar vantagem.

De Felipe Grilo.

Talvez seja porque eu venho de uma área tida como glamourosa - a publicidade - que botei reparo nisso. Ou por ter estudado o assunto em algum livro sobre ideologia em comunicação, assunto pelo qual me interesso. Ou por ter lido em alguma revista uma crônica de autor conceituado que, tendo me inspirado de tal forma, me fez guardar o assunto na mente para depois comentá-lo e, quem sabe, fazer você reparar também. Seja qual for a fonte desta minha impressão, ei-la para sua edificante reflexão: de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, todas as pessoas contam vantagem. Como sou um cronista habilidoso (o que vocês poderão averiguar no profile escrito neste mesmo blog), de propósito, elaborei este primeiro parágrafo para provar a vocês que minha tese é verossímil. Fui claro?

Brincadeira, gente. Brincadeira que tem um fundinho de verdade. Achava que esse negócio de egocentrismo era problema de publicitário criado pela avó. Mas talvez não: percebe como, sem querer, em pequenas ações podemos contar vantagem ou, pelo menos, interpretar uma frase inocente como tal?

Vejamos em situações do dia-a-dia. Pense num churrasco com a família ou os amigos. Oferecem bebida, certo? Daí você diz se quer ou não. Se você faz questão de dizer que é um pé-de-cana inveterado e comprova isso fazendo uma muralha com dezenas de latinhas de cerveja, significa que a) gosta de ser o chamariz da festa e de aparecer no youtube, ou b) isso prova sua superioridade perante os outros convidados, uma vez que encara riscos maiores de passar mal à beça, pagar vexame de corno ou arranjar briga. Se você diz que bebe socialmente e pede dois dedinhos de qualquer coisa, é chique: entra álcool pela boca, saem mais verdades – ou vantagens - por ela e torna-se alguém agradável, diferente daquele babaca que ficou bêbado e só enche o saco. E se diz que não bebe já agradecendo o que não quer, também sem querer atesta que é uma pessoa saudável, que de "alto" basta seu código de conduta, e que não se iguala aos imundos a volta, mas diverte-se vendo o inferninho na mais ilibada sobriedade. E seu carro vira lotação no final da festa. Na minha opinião, nenhuma das três opções são lá grande coisa para contar vantagem.

Outro exemplo, este comentado por cima pelo Vini, no texto dele desta semana, é sobre leitura. O que você lê? Ah, leio as crônicas do Mainardi na Veja e uns sites legais (para abastecer meu repertório de expressões engraçadinhas e fazer sucesso na minha roda de amigos intelectuais). Bem, eu costumo ler mais romances, não gosto de livros técnicos (deixo apostilas e manuais para os peões que não sabem apreciar uma boa narrativa). Ah, leio mais livros filosóficos (nunca digo que são de auto-ajuda porque sempre fui auto-suficiente, agora me basta refletir sobre os temas mais profundos do pensamento humano). Não tenho muito tempo para leituras mais longas, me atualizo com notícias, principalmente na internet (só idiotas perdem tempo com abstrações literárias: estou sempre atento ao que me cerca e avalio cada informação de forma estratégica em minha vida). Leio só meu e-mail (sou pop, todo mundo se lembra de mim). Leio inutilidades (sou nerd: o que é útil para mim é inútil para você e vice-versa).

Para filme, música, hobbie, tudo igual. Conhecido meu, não contente em contar o enredo do filme que eu ainda não vira (opa: "vira", pretérito mais-que-perfeito do verbo "ver", cuja classificação diz tudo), analisava roteiro, fotografia, trilha sonora e dizia se concordava ou não com a classificação da Veja São Paulo. Chamar Caetano Veloso de Caetano e Chico Buarque de Chico faz a gente parecer mais íntimo da MPB, assim como citar inúmeros nomes de bandas ou estilos de rock que gosta faz da gente mais roqueiro. Quanto aos hobbies, ser excêntrico também é contar vantagem e dá cada vez mais certo. Emos que o digam.

Onde menos faltam situações é no universo feminino, no qual as comparações são constantes, indo desde o novo corte de cabelo até o novo namorado. Por nunca se querer passar recibo de perdedora, há também muita falsidade (meninas, me corrijam se estiver errado). Se ficar encalhada, é melhor dizer que curte a vida de solteira.

Filantropia é outra coisa que me chama atenção: por que ajudar os "mais necessitados"? A resposta mais comum é "porque me faz bem!". Ou quem sabe, por um efeito inconsciente de comparação, ajudá-los faz da gente "menos necessitado"? Ou ainda, quem sabe, o ato nos transforma em "uma pessoa melhor"? Afinal, quando doamos sangue ou qualquer coisa útil à vida do próximo, porque ganhamos adesivos e broches em troca? Para exibir a todos nosso feito benevolente?

E por aí vai. Já que o exibicionismo não apenas está em alta na sociedade atual, mas é inerente ao ser humano, fica uma pergunta na cabeça e que vocês me ajudarão a responder.

Por que, com tudo isso, se idolatra tanto a humildade e a modéstia?

3 comentários:

Vini Noronha disse...

A resposta é: sei lá (na verdade esse comentário é só pra contar vontagem com uma postura blasé, do tipo "ah, nem vale a pena ficar pensando muito em tudo isso, minha vida e minhas inúmeras indagações existenciais são mais importantes"). De qualquer forma, use esse texto pra contar vantagem sobre os outros e promover-se socialmente, porque ficou do caralho!

Cri disse...

falando em filantropia fashion, lembrei daquelas pulseirinhas da nike e das camisetas do câncer de mama. tinha gente até pirateando pra posar de gente-do-bem sem gastar muito.

e não sei responder à tua pergunta, mas que humildade/modéstia vem revestidas de exibicionismo, isso vem.

texto ótimo. o "bacana" é que ninguém escapa.

Grilo disse...

Brigado, gente =)
Cri, concordo contigo. Hoje em dia um quer ser mais humilde que o outro.