terça-feira, 12 de agosto de 2008

Se.


Por Vinícius Noronha.

Se você precisar escrever, pra desabafar ou colocar os pensamentos no lugar, eu oferto algumas linhas desenhadas por mim, meio tortas, mas que com certeza abrigarão com muito gosto qualquer recado seu que não puder esperar. Se você não estiver conseguindo sorrir, eu puxo os seus lábios, com meus dedos, no formato de um sorriso exagerado, e de tal maneira que ele, por fim, se torne espontâneo.

Se as águas tortuosas se tornarem um real perigo, eu faço o seu pulmão e seus braços ficarem tão fortes e resistentes que será impossível que elas te vençam. Obstáculos? Empresto minhas asas. Feridas? Sou o band-aid onipresente. Enxaqueca? Pode deixar que eu desligo o mundo até você melhorar.

Se a emoção se dissipar, provoco a aventura em reinos inexplorados, cheio de seres amistosos em volta da cabana. Se a indiferença surgir, reforço a placa de atenção. Se a ansiedade se prover, eu pesco, aonde quer que esteja, o mais perfeito equilíbrio.

Se os livros não te disserem mais nada, eu invoco o silêncio mais cúmplice e sábio. Se o pé estiver ferido, um serviço rápido e completo delivery 30 horas por dia será encaminhado pra te levar aos destinos planejados. Se o sono não vier, faço o acalanto mais suave criar vida dentro do fechar dos seus olhos.

Se as canções forem chatas, contrato a fanfarra mambembe e rearranjo tudo com os instrumentos mais extravagantes e melodias McCartneyanas. Se o papo estiver cansativo, declamo Drummond com nove luas servindo de locação. Se todo e qualquer sentimentalismo parecer inócuo, trago as crianças que nós fomos para que possamos resgatar algumas razões e encantos.

Se o cansaço parecer infinito, te dou o travesseiro mais confortável, com o café-da-manhã mais agradável, na cama de algodão-doce. E se a ansiedade e impotência se infiltrarem nas suas tarefas, providencio magos e fadas instantaneamente que desenvolvam, em conta-gotas e sem contra-indicação, a impermanência do flagelo.

Se os dias forem sinônimos de desgaste e incertezas, promovo a maior descontração e ternura num teatro de marionetes. E se a impressão for de que sua sina, equivocada, já está sublinhada, eu contrato os melhores autores para que tudo na sua existência seja ensinamento e delicadeza. E com a pólice de que, ainda no meio da trama, a sua alegria se desvincilhe de qualquer ponto final.

Se a paixão te pegar, serei o pombo-correio endiabrado sobrevoando mares pra espalhar as boas novas. Se a dor te pegar, serei a pena que fará cócegas nos seus pés. Se a solidão te pegar, serei a arquibancada de Fla-Flu gritando o seu nome. Se o tédio te pegar, sintetizo um espetáculo numa caixinha de fósforo, pra você poder levar pra onde quiser.

E se, no fim das contas, tudo parecer tão sisudo e sem sentido, e as fantasias e sonhos se esvanecerem nas sombras da rotina, te ofereço, disfarçada de gratidão e embrulhada em carinho, a crônica mais espontânea que eu poderia escrever.

8 comentários:

Grilo disse...

Eu adoro me impressionar com a simplicidade.

Unknown disse...

Temos isso em comum, Grilo. E é por isso que eu visito esse blog diariamente.

Unknown disse...

Sr. simplicidade,
Se você deixar de escrever eu vou ...eu vou...eu vou te socar!!! haha É isso que vou fazer!!!

Anônimo disse...

Nossa... de deixar qualquer Drummond de queixo caido... bem que em um dos seus texto voce disse pra não nos acostumarmos com a agressividade... agora entendo e te digo: escrever assim é pra poucos. Parabéns...

PS: bateu uma inveja.

Bruno Varandas disse...

ESPETACULAR!
Não gostou muito de classificar as obras de alguém como se uma fosse melhor ou pior que a outra, porém, por questão de agrado, identidade ou até mesmo de personalidade, não há como negar que às vezes nos identificamos mais com umas obras do que com outras. Esta crônica “Se”, Vini, foi espetacular! Para mim, o mais fascinante em ler algo de tamanha beleza não é somente o belo por si só, mas sim imaginar o homem que está por trás dele; imaginar os pensamentos que o sondaram enquanto a escrevia; é tentar captar um pouco dos sentimentos que estiveram presentes naquele momento em que a caneta deslizava sobre o papel... É ter orgulho de ter como amigo uma pessoa com tamanha sensibilidade e talento.

Bom, irmão, mais uma vez fica aqui os meus parabéns.

Grande abraço,

Varandas

Unknown disse...

Espetacular, parabéns! A sua melhor crônica!
Faço minhas as palavras da Katuxa: "Se você parar de escrever eu te soco". Foi realmente brilhante, você está se superando a cada dia...
Parabéns...

Unknown disse...

"Nossa... de deixar qualquer Drummond de queixo caido..." [by Nélio]

Viu!
SE um dia eu disse q gostava tanto de Drummond qto de vc, não foi à toa!

SE eu tivesse palavras para dizer o qto gostei dessa crônica, com certeza elas nunca seriam o suficiente! Me faltariam adjetivos e ainda esse pequeno espaço virtual seria pequeno para expressá-las...

Encantada :D

Bjos, Viiiini!

PS.: Comentário tardio! Espero q vc o veja :)

Adriana disse...

É complicado.
Toda vez que leio algum texto do Vini penso em trocentas coisas diferentes, abro um sorriso e fico com olhos marejados ao mesmo tempo.
Treino a digitação pra tentar escrever um comentário pertinente, mas não sai nada.
Então eu fico aqui,só admirando, de boca aberta, me emocionando a cada terça.